Patafisicamente, Gov. Zema entrega 13 anos de renda do nióbio e propõe aumento igual a 58% do déficit do Estado

“Patafisicamente, tudo é para o melhor no mais patafísico dos mundos patafísicos”

Louis Irénée Sandomir em Opus Pataphysicum, testamento deixado para o ‘Collège de Pataphysique.

O Rei Ubu ainda não se tornou o Governador do Estado Minas de Minas Gerais. Faustroll ainda tenta vender sua alma em troca de soluções imaginárias para a crise fiscal mineira. Esses personagens saíram da obra de Alfred Jarry [1] de 1896, foram educados no Colégio da Patafísica, desde 1948, e estão por aí infernizando a todos. Podem ser vistos, lidos ouvidos, nos últimos tempos em todas as conversas de mineiro. Podem parecer imaginários, mas imaginária é a realidade concreta que se descortina, patafisicamente, perante nossos olhos e razão na política brasileira. Todos acompanham, discutem as imaginações das autoridades públicas do Estado e se esquecem de imaginar o quão verdadeiras elas são.

A crise naturalizada

A crise fiscal de Minas Gerais prossegue paulatinamente, solapando o futuro. Para fornecedores, os pagamentos continuam incertos. Para quem aluga para o Estado, acumulam-se meses de atraso. Para a saúde, temos o atraso do pagamento dos prestadores de serviços e da tão necessária estrutura de atendimento secundário para exames. Na educação, a oferta da educação integral continua completamente desacelerada; igualmente o andamento de mais de 4 mil frentes de obras nas escolas estaduais. Parte do funcionalismo público sofre com a expectativa de não receber o 13º salário de 2019. Outra parte dos servidores, os da segurança pública, sofre aguardando o compromisso de seu pagamento em 3(três) parcelas a partir do dia 21 de dezembro.

Tudo muito normal, conforme confirma, pelo 6º ano consecutivo, a proposta orçamentária para 2020, a continuidade da crise com esperados R$ 13,292 bilhões de déficit total, contendo um déficit previdenciário estimado em R$ 17 bilhões. E, em coro, inspirados pelo Rei Ubu, mandam todos e tudo à ‘merda’[2], enquanto acalentam a retórica de recuperação fiscal…

Esforço concentrado

Em declarado esforço para enfrentamento da crise, os deputados mineiros aprovaram, por unanimidade, no dia 04 de dezembro último, lei que autoriza o Estado a vender direitos creditórios da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais – CODEMIG até 2032. O Estado irá vender 49% dos dividendos que deverá receber da CODEMIG nos próximos 13 anos. Esses dividendos são calculados a partir o lucro da empresa, que é cerca de 95% de 25% do lucro líquido da Sociedade em Conta de Participação – SCP com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração – CBMM. A estimativa de recebimentos com base em 2019 deverá ser, então, da ordem de 13 anos x R$ 500 milhões/ano a serem descontados a valor presente. Se o desconto for 12%/a.a, o valor presente a receber deve chegar a R$ 3,6 bilhões. Se for 6%/a.a, deve ser cerca de R$ 4,6 bilhões.

É uma operação complexa. A integridade da operação toda depende da projeção de venda da CBMM, preço do nióbio, custo e a taxa de desconto. Isso não foi apresentado no projeto de lei original, ainda que a Assembleia Legislativa, diga-se de passagem, tenha melhorado ‘muitissimamente’ o PL 1.205/19. O Governo Zema alega que dar a conhecer esse valor poderia ancorar as expectativas dos agentes de mercado em desfavor do interesse público. Isso não foi o que aconteceu, por exemplo, com o leilão da Ponte Itaparica-Salvador, que aconteceu no dia 13 de novembro último. Tudo foi informado com mais de 3 meses de antecedência.

Além disso, a operação da CODEMIG destina-se a antecipar lucros gerados pelo nióbio relativos a 13 anos. Compromete disponibilidade financeira futuras até praticamente o final de dois mandatos após o encerramento do Governador Romeu Zema. E para quê? “É um paliativo, resolve os problemas do estado por por seis meses, até meados do ano”, declarou o próprio Governador Zema. Faustroll ouve atentamente[3]. Paliativo, no caso para o pagamento do 13º salário dos servidores públicos em 2019 ), que retira recursos a serem direcionados para a realização de empreendimentos, como fez a própria CODEMIG há uma década atrás, com a a controversa construção da Cidade Administrativa Tancredo NevesCAMG . Ou seja, como se o Estado fosse vender a CAMG para pagar um mês de salário.

Proposta patafísica de reajuste

E, patafisicamente, neste contexto, o Governador Zema propõe aumentar o déficit orçamentário do Estado em 58% até o final de seu mandato. Como assim? Acontece que o Governo do Estado anunciou em ‘nota conjunta’ que, em 22 de novembro, “parlamentares e entidades representativas da Segurança Pública se reuniram […] com os Secretários de Governo, de Planejamento e Gestão e de Justiça e Segurança Pública, além dos chefes da Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros”, e definiram que “serão concedidos 13% (de aumento salarial) a partir de junho de 2020, que serão pagos em agosto; 12% em setembro de 2021 e mais 12% em setembro de 2022”, a título de “reposição das perdas inflacionárias”.

As contas são simples. A folha com encargos sociais da Segurança Pública (Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Instituto Previdência dos Servidores Militares e do Tribunal de Justiça Militar) no Projeto de Lei do Orçamento Anual para 2020 , que está na Assembleia, totaliza R$ 15,608 bilhões (Tabela 1). Considerando-se o impacto anual dos possíveis aumentos até final de 2022, eles deverão somar R$ 7,713 bilhões. Como o déficit orçamentário está estimado em R$ 13,292 bilhões, este crescimento das despesas de pessoal da Segurança Pública equivale a 58,8% desse montante (Tabela 2).

Ninguém contestou o aumento anunciado, apesar dele aprofundar a crise. Despudoradamente, todos permanecem calados, encarnando o “o axioma e o espírito do contrário” do César-Anticristo[4]. Alguns justificam envergonhadamente o silêncio diante da chantagem velada de policiais irem para as ruas armados e desestabilizarem a ordem no Estado.

A Patafísica

Quando nos deparamos com esses fatos e procuramos extrair alguma coerência, a razão não dá conta. A não ser de um ponto de vista patafísico. A Patafísica é a ciência que “significa literalmente ‘o que está por debaixo da metafísica’, ou seja, “o que está por debaixo do que está depois da física”, visto que o título da obra ‘Metafísica’ significava originalmente “o que está (escrito) depois (da obra) ‘Física’”, ambas obras de Aristóteles. Ou seja, já que não é possível ou suficiente explicar o mundo a partir das categorias das ciências naturais ou independentemente da experiência sensível, é necessário recorrer a outra dimensão analítica.

“A patafísica é um tipo de autoregulação do todo e de suas partes, do mundo e de suas contradições por meio de “soluções imaginárias”. As percepções e especulações sobre o sentido das ações são produto do ego de cada um. Portanto, nada mais coerente do que a interpretação da realidade ser processada a partir do imaginário de cada um. Centrado exclusivamente nas percepções de seu ego, o indivíduo verbaliza incontinentemente sua interpretação da realidade e as absolutiza como verdades. E falar é agir, como diria John Austin. O indivíduo dá o ‘tom’ do que é certo, errado, possível, inatingível, desejável, indesejável, de esquerda ou de direita. Se for um ser com exposição pública, mais claro esse processo. Um processo de “detonação” (literalmente, de subir o tom), no qual vamos nos deparando com as as “detonações, os “detonadores”, o “espanto”, as “expiações” e entendendo que a condição humana é uma sopa de verdades egocêntricas servida em caldeirões que os apreciadores pretendem ser sua última refeição. Passamos, então, a entender o processo patafísico de compreensão e dinamização do mundo que ocorre no como uma espécie de movimento de interpretação criador de significado, pelo qual o ser observador “deve se considerar e sentir o tempo todo como o tom de um turista viajando na terra do fluxo” (Simard, 2002:39).

Mas, se temos uma Patafísica consciente, capaz de reconstruir a realidade a partir do non-sense, temos existe uma assustadora e delirante (tautológico, não?) Patafísica inconsciente, que inunda há tempos a condição humana. “A merda não está longe. (…) Está ao nosso redor e (…) se encaixa bem na tendência atual da globalização, que é em si mesma, inconscientemente patafísica por seu caráter onipresente” (Simard, 2002:38).

Assim, um Governador vem a público dizer para vendermos patrimônios acumulados durante décadas, com potencial para gerar riquezas por anos sucessivos, para se pagar o salário de um mês. Agora, os créditos do nióbio, na sequência demais estatais. Reforça a demonização do dito “parcelamento” de salários, que, na verdade, refere-se ao recebimento em duas datas dentro do mesmo mês, que é realidade de inúmeras categorias, e apresenta a operação do nióbio como solução parcial para o problema. Sabidamente, não o é. Ao mesmo tempo, anuncia um aumento impagável para o setor da Segurança Pública.

Patafísicos do mundo: até agora, vós haveis vos dedicado a disseminar vossas verdades. Chegou a hora de enlouquecer de vez o mundo !

Para citar: SILBERSCHNEIDER, Wieland. Patafisicamente, Gov. Zema entrega 15 anos de renda do nióbio e propõe aumento equivalente a 58% do déficit . Estadosfera, 2019. Disponível em: < http://www.estadosfera.com.br/principios-da-responsabilidade-fiscal/>. Acesso em: xx de xxx. 20xx.

Referências Bibliográficas

  • [1]Alfred Jarry nasceu em 1873 e viveu sempre pobre. Recusou todas as oportunidades, por incapacidade inata de fazer concessões aos hábitos da vida burguesa e às convenções da vida literária parisiense. Pode-se dizer que Jarry se suicidou, bebendo sistematicamente, até a idade de 34 anos, quando morreu (1907) na mesma solidão em que sempre vivera. (…) compôs o texto da peça aos 15 anos de idade, como uma brincadeira escolar, destinada a ridicularizar um professor de matemática, Heber, que os garotos costumavam chamar de Père Hébé. O professor/personagem é burlesco, cruel, covarde, estúpido, infernal. Tiraniza os alunos, assim como é tirânico qualquer pequeno burguês, quando dispõe de poder sobre outros. É um símbolo social e uma profecia política. Ubu é o arquétipo dos ditadores cruéis e estúpidos do século XX. Ubu torna-se rei graças à sua tremenda estupidez, à bestialidade sem limites, desligada de qualquer vislumbre de consciência.” Jarry, 1896:
  • [2] “Nada é mais verdadeiro no caso do Pai Ubu, que sempre tem a palavra “merda” na boca; esta palavra dando ao nome “merda” um valor verbal, portanto, de ação. O Pai Ubu é, sem dúvida, o maior “filho da puta” que a história conheceu.” (Mc Murray, 1992:43).
  • [3]Doutor Faustroll eleva a Patafísica a um alto nível holístico. Seus gestos e opiniões se resumem a fazer viagens a várias obras, desde os tempos antigos até os tempos modernos, viagens se traduzindo literalmente em uma prática sistêmica de intertextualidade filosófica e científica.” (Mc Murray, 1992:42)
  • [4] “O personagem de César-Anticristo, que lembra o texto de mesmo nome de Nietzsche, descreve o patafísico como a personificação ‘do axioma e do princípio de opostos idênticos’. Além disso, o caráter de César-Anticristo é apresentado por Jarry como sendo ao mesmo tempo o duplo e o oposto do Padre Ubu, que não é outro senão o dobro de cada um e de todos. Em cada Pai Ubu, há um César-Anticristo que dorme e vice-versa”. (Mc Murray, 1992:43)

Bibliografia

  • Jarry, Alfred. Ubu  Rei ou Os Poloneses/Drama em cinco atos. Tradução Ferreira Gullar. 1896.
  • Mc Murray, L. (1992). Qu’est-ce que la ’Pataphysique? Em Nuit blanche, (49), 40–44.
  • Minas Gerais. Parlamentares e Governo de. Nota Conjunta sobre reajuste salarial da Segurança Pública. Belo Horizonte, 22 de novembro de 2019.
  • Minas Gerais. Governo de. Projeto de Lei Orçamentária 2020. Belo Horizonte, 30 de setembro de 2019.
  • Simard, S. (2002). La pataphysique plus que jamais em Quatre leçons et deux devoirs de pataphysique, de Line McMurray, Liber, 208 p. Spirale, (186), 38–39.
Sobre Wieland 53 Artigos
Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.