Solução da Lei Kandir só em dezembro: entrevista com Dr. Onofre Batista

O ressarcimento das perdas referentes à aplicação da Lei Kandir aos estados determinado por sentença do Supremo Tribunal Federal é a grande esperança de solução financeira no curto prazo para Minas Gerais e demais estados no enfrentamento da grave crise fiscal. Para Minas, o total devido já totaliza R$ 135 bilhões, que pagos em 60 anos, conforme declaração do Governador Romeu Zema, poderão representar cerca de R$ 2,0 bilhões de recursos a mais todo ano. O Dr. Onofre Batista Júnior, ex- Advogado Geral do Estado de Minas Gerais, e, atualmente, Diretor do Centro de Estudos da AGE, concedeu entrevista, explicando em que ponto se encontra o processo de negociação do pagamento. Ele acaba de lançar, juntamente com o deputado Luiz Sávio de Souza Cruz, em edição da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o livro ‘Desonerações de ICMS, Lei Kandir e o Pacto Federativo’ (baixe aqui), onde reunem os diversos documentos que contam os principais momentos desta já tornada via-sacra fiscal.

Dr. Onofre Batista Júnior, Diretor do Centro de Estudos da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais

A sentença do STF sobre o ressarcimento da Lei Kandir determinou que o Congresso Nacional aprovasse lei definindo critérios de distribuição dos recursos para os estados. Por que isso não ocorreu até o momento?

Com relação à decisão, o Supremo determinou que se fizesse em um ano a lei e a lei foi feita. Curiosamente, a lei foi feita. Foi montada uma Comissão Mista no Congresso Nacional comandada pelo Deputado Priante e relatoria do Deputado Wellington. Foi feito uma lei e, curiosamente, na Comissão Especial de Lei Kandir, feita para essa finalidade, para atender a decisão do Supremo na ADO nº 25, ela foi aprovada por unanimidade. O que aconteceu é que ela foi enviada para o então presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, e houve uma trancada de pauta. Ele nunca a colocou em pauta, por pressão da burocracia financeira da União. É por isso que a lei não foi aprovada. E, passado um ano, o Deputado Priante, que era o presidente da Comissão, revoltado com a questão, exigiu que o TCU, que estava inerte até então, cumprisse o papel dele.

Por pressão da burocracia financeira da União, a lei montada pela Comissão Mista no Congresso Nacional não foi aprovada.

O STF atribuiu ao Tribunal de Contas da União – TCU responsabilidade na implementação da decisão. O que falta para o TCU exercê-la?

No TCU, aconteceu o mesmo problema. O TCU não fez nada. Muito pior do que isso, os Estados foram ao TCU acompanhados do conjunto dos Tribunais de Conta dos Estados, ou seja, os Procuradores de Estado acompanhados e assessorados pelos Presidentes dos Tribunais de Contas dos Estados, estivemos com o Ministro Sedraz, quando nos foi falado de um parecer da Receita Federal e do Tesouro Federal. Ou seja, um parecer feito pelo réu dizendo que não tinha que compensar nada e que eles estavam avaliando a questão. Passado um ano, ao invés de calcularem o que foi determinado pelo Supremo, surgiu a fala do Presidente do TCU de que não tinha nada a compensar nos termos do parecer do Tesouro. O que é uma verdadeira estultice. Esse parecer é uma verdadeira estultice, porque a interrupção da Lei Kandir deve se dar nos termos da lei complementar. Quando a lei complementar, que disciplina a questão, falar que isso deve acontecer. É essa mesma lei que manda compensar e ela que também diz quando parar. É um absurdo o que foi feito. É uma tungada nos estados, que foi dada pelo próprio Tribunal de Contas. Isso resultou em uma fala do presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia, em que ele se irritou com o pronunciamento do TCU. Isso gerou aquela famosa polêmica com o Presidente do TCU, em que eles bateram boca, pois o Deputado Rodrigo Maia, embora não tendo colocado em pauta o projeto de lei, sabe que essa alegação é uma estultice.

Passado um ano, surgiu a fala do Presidente do TCU de que não tinha nada a compensar nos termos do parecer do Tesouro, o que é uma verdadeira estultice.

Em razão do volume da perda a ser reparada qual o montante estima-se será repassado anualmente? Há alguma possibilidade real de compensação desses valores com a dívida dos Estados?

Os valores apurados pelo CONFAZ, pelo CONSEFAZ e pelos Tribunais de Contas, todos coincidem. O que varia é o índice de correção a ser aplicado. Nós sugerimos que se aplicasse a SELIC capitalizada, na medida em que é o mesmo índice de correção da dívida da União. Não faria sentido usar um índice diferente. Tem gente que propôs outros vários índices. No caso da SELIC capitalizada, as perdas de Minas Gerais já beiram R$ 150 bilhões. R$ 135 bilhões era o valor até o final de 2016. E o conjunto da dívida dos Estados, que já era R$ 600 bilhões, hoje deve estar quase na casa dos R$ 700 bilhões de perda. A dívida da maioria dos estados é bem menor do que a de Minas, que chega aos R$ 90 bilhões. Mesmo retirando os 25% dos municípios, não teria nada o que pagar. Essa alegação está sendo levada pela Advocacia Geral do Estado aos tribunais, quando eles mandam fazer esses sequestros abusivos em desrespeito ao princípio federativo. Eles estão omissos com o Estado e ainda querem sequestrar dinheiro, por causa do Estado não pagar a dívida.

Mesmo retirando os 25% dos municípios, Minas não teria nada o que pagar de sua dívida com a União, que é cerca de R$ 90 bilhões.

Enfim, em termos legais, o que falta para se dar início ao cumprimento da determinação do STF de pagamento das perdas relativas à Lei Kandir?

Bom, o primeiro passo foi dado. Foi a audiência de conciliação pedida pela AGE de Minas. Nesse sentido, participamos eu e o Dr. Sérgio Pessoa, atual Advogado Geral do Estado, da audiência de conciliação. O Ministro Gilmar Mendes conduziu, com toda elegância, que lhe é peculiar e foi muito firme. Deu um prazo fatal para União para haver uma conciliação até o dia 4 de dezembro. Segundo as palavras do Ministro, a partir dessa data, ele vai ‘canetar’. Foi a expressão usada, ou seja, não prorroga de novo e não adia de novo. E disse que, pessoalmente, ligaria para o Presidente Rodrigo Maia, para que essa questão fosse colocada em pauta para evitar que ele ‘canete’. Disse ainda que não era para fazer conciliação dos estados em reuniões conduzidas pela União, mas ele designou o Juiz Federal Veras, que é o assessor mais próximo dele, para que ele mediasse e coordenasse as reuniões. Acredito que foi um grande avanço.

O Ministro Gilmar Mendes deu um prazo fatal para União para haver uma conciliação até o dia 4 de dezembro, quando, a partir dessa data, ele vai ‘canetar’.

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Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.