Proposta de PMDI do Governo Zema volta ao passado

O Governador Romeu Zema enviou à Assembleia Legislativa o projeto de lei contendo o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – PMDI prevendo estratégias de ação para o Estado até 2030. A proposição retorna aos fundamentos gerencialistas difundidos durante os Governos Aécio Neves e Antônio Anastasia, com foco na “qualidade fiscal” e “qualidade do gasto”. Pelo seu conteúdo, o tema mostra-se de interesse, mas não é bem assim. Quem sabe desse plano? Quem gostaria de saber sobre o Plano? Para que serve esse Plano?

Quem sabe desse plano? Ninguém sabe o que é PMDI. Provavelmente, uma pequena parcela dos gestores do Estado sabe, porque precisam formalmente gerar o documento, mas a maioria nem sequer é envolvida em sua elaboração.

Quem gostaria de saber sobre o Plano? Certamente, hoje, da opinião pública, quase ninguém, nem mesmo lideranças sindicais e sociais. O Plano tem quase ou nenhuma aderência aos objetivos, necessidades políticas dessas lideranças. Ninguém acredita em plano, planejamento. Historicamente, planos são documentos de retórica, com pouquíssimo poder vinculatório. Prestam-se para anunciar intenções e um pouco para orientar ações dos agentes públicos. Poucos planos resultam em realização de ações. As razões disso merecem um debate à parte para se entender a racionalidade que orienta a ação coletiva naquela esfera virtual, porém concreta, chamada de setor público, Estado.

Para que serve o Plano? Em princípio, ele deveria configurar o reconhecimento dos desafios a serem enfrentados pela Administração Pública em Minas Gerais para a promoção do desenvolvimento econômico e social e representar uma efetiva pactuação de iniciativas para superação. Porém, vida-de-regra, resume-se a um documento diagnóstico, que consolida informações sobre a realidade do Estado, e conjectura diretrizes de ação.

Trágico? Muito. Entediante o tema? Sim. Sem importância? Mais ou menos…

Preocupar com o conteúdo dos planos certamente não é o caminho para se encontrar soluções para se elevar a efetividade do Poder Público na promoção do desenvolvimento econômico e social, na promoção da redução de desigualdades. Também não é o caminho para se encontrar o modelo para melhor se pactuar social objetivos e metas de realizações. Entretanto, conteúdos e metodologias dos planos explicitam os rumos de ação pretendidos pelos governantes. A retórica tem valor. Embora não seja tudo, as narrativas dos planos contam como os governantes vêem o mundo, como entendem que podem mudá-lo. Por isso, veja um pouco da história desse tipo de plano e como foram os PMDIs em Minas Gerais nas últimas três décadas. Afinal, você como cidadã(o), que chegou até aqui, pode fazer a diferença com estas informações…

Plano Plurianual com instrumento de planejamento

No primeiro ano de todo mandato, o governador eleito (e também prefeito e presidente) tem de enviar ao Legislativo projeto de Lei do Plano PlurianualPPA. Ele deverá discriminar as ações continuadas os investimentos para os quatro anos seguintes. O PPA é o filho bastardo do ciclo orçamentário brasileiro, pois, passados mais de 30 anos desde a Constituição de 1988, continua até hoje com seu conteúdo e sua relação com as demais leis orçamentárias (Lei de Diretrizes Orçamentárias-LDO e Lei do Orçamento Anual-LOA) indefinidos, não regulamentados por lei complementar. Diga-se de passagem, por esforço sobretudo da burocracia federal, ao longo dessas décadas, as definições constitucionais gerais do PPA ganharam uma silhueta, mais ou menos copiada pelos demais entes, de plano sintetizador dos programas estratégicos do governo.

De fato, apesar de conceituações genéricas, o PPA se apresenta enquanto um instrumento de planejamento estratégico de governo. Na sua origem, o PPA herdou o papel desempenhado pelo PPI -Plano Plurianual de Investimentos, que vigorou durante os Governos Militares, bem como aquele ocupado pelos Planos Nacionais de DesenvolvimentoPND, que foram os norteadores da ação governamental naquele período. Porém, de fato, o Plano Plurianual deu materialidade à expectativa de um futuro sistema parlamentarista de governo, acalentado pelo relator constituinte da temática orçamentária, José Serra- e de seu partido Partido da Social Democracia Brasileira-PSDB, foi um dos principais defensores. O plebiscito de 1993 não aprovou o parlamentarismo e o papel do Plano Plurianual continuou indefinido. Mesmo em 2000, com a aprovação da Lei de responsabilidade Fiscal (LC 101/00), que conferiu à LDO atribuições centrais no acompanhamento do equilíbrio fiscal até então igualmente inexistentes, nada de novo para o PPA. Os artigos correlatos foram vetadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.

A novidade em Minas Gerais do Plano Mineiro de Desenvolvimento

Em Minas Gerais, além do PPA, a Constituinte inseriu o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – PMDI (art. 231), reafirmando a cultura mineira de planos de desenvolvimento, que inspirou toda a trajetória brasileira de planejamento desde o Governo Juscelino Kubitscheck. Acontece que aqui também, tal como no referente ao Plano Plurianual, nada se regulamentou em relação ao PMDI. Deste modo, no início da vigência das Constituições Federal e Mineira houve uma sobreposição, senão confusão entre os papéis. É fato que a inclusão na Carta Magna do Estado desse instrumento veio acompanhada obrigatoriedade da sua apreciação pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico Social – CDES, então criado. A obrigatoriedade de apreciação dessa instância composta por representantes da sociedade mineira conferiu ao instrumento uma importância política diferenciada, ainda que, nos anos seguintes, tal consulta tenha sido conduzida de forma meramente formal. Essa instância.

Até o Governo Itamar Franco, o PMDI desempenhou o papel de documento-diagnóstico complementar ao PPA do Estado, tendo como horizonte apenas os 4 (quatro) anos determinados para esse último. Com a síntese “Uma estratégia para o Desenvolvimento Sustentável”, o Plano tratou do “Papel do Estado, da Gestão Pública, Mercado Interno, Papel dos Municípios, Fortalecimento do Planejamento e a Montagem de um Sistema Estadual de Informações, Modelo de Participação Social para regiões e dimensões”, além de discorrer detalhadamente sobre as ”Dimensões do Desenvolvimento Sustentável” e a “Regionalização do planejamento para o desenvolvimento”, antecipando temas que pautariam o debate sobre o desenvolvimento do estado ao longo do século XXI. Mesmo com a grave crise fiscal que enfrentava, o Plano afirmava a necessidade de se colocar “no centro das preocupações governamentais o crescimento com equidade social e a sensibilização do Poder Público para seu verdadeiro papel na construção de uma sociedade mais justa e mais humana” (PMDI 2000-2003:04).

Mudanças a partir do Governo Aécio Neves

O PMDI elaborado no Governo Aécio Neves (2003-2020) trouxe nova abordagem metodológica. O Plano passou a vislumbrar um horizonte de mais de uma década, sendo estruturado segundo fundamentos da metodologia de planejamento da Qualidade Total, seguindo as perguntas básicas “onde estamos?”, “aonde pretendemos estar” e “como “chegar lá?”, e elencando indicadores de resultados. A partir daí, foram formulados “Cenários Exploratórios” e definidos “Projetos Estruturadores”, o que resultou na formulação de uma carteira de 30 projetos intitulada “GERAESGestão Estratégica de Recursos e Ações do Estado” e na articulação das demais ações a partir do Plano Plurianual de Ação Governamental -PPAG.

PMDI 2003-2020: Estrutura Geral

Como síntese do processo de planejamento, o Plano se orientou pela “visão de futuro” de “tornar Minas o Melhor estado para se viver” (PMDI 2003-2020:82). Do mesmo modo que o PMDI anterior, abordou objetivos prioritários similares como “Melhoria e Ampliação dos Serviços Públicos, Contribuição para a Geração, Fomento inovador ao desenvolvimento, Redução das Desigualdades Regionais, Consolidação da liderança política de Minas no Contexto Nacional”. Veio a tornar-se destaque o objetivo “Choque de Gestão”, onde foram consolidadas quatro prioridades fiscais: “equilíbrio fiscal, aumento de receitas, qualidade do gasto e solução para a questão previdenciária”.

O PMDI 2007-2023, já no segundo mandato de Aécio Neves, manteve a visão de futuro inicial. Passou a conferir ênfase expressa ao “choque de gestão”, traduzindo-o no “aprofundamento de uma obsessiva busca pelo Estado de Resultados” (pp.2). Esse ficou expressamente caracterizado como “qualidade fiscal” e “qualidade e inovação da gestão pública”, estratégias consideradas capazes de “construir  um  Estado  que opera  de  acordo  com  os  resultados  demandados  pela  sociedade  e  que  produz  esses  resultados  ao menor custo”.

PMDI 2007-2030: Estratégia de Desenvolvimento de Minas Gerais

Na sequência, o mandato do Governador Antônio Anastasia, que foi Secretário de Planejamento no primeiro Governo Neves e Vice-Governador no segundo, tratou o PMDI 2011-2030 como uma “atualização” dos Planos anteriores, destacando a ‘evolução do Choque de Gestão para Estado para Resultados’. O novo PMDI trouxe atualizações na narrativa estratégica que passou a falar em “redes” de modo geral, dando ênfase à necessidade de envolvimento de agentes e atores na gestão das políticas, e também reorientando a temática de políticas para, especialmente, “Redes de Desenvolvimento Integrado, Rede de Educação e Desenvolvimento Humano, Rede de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Rede de Desenvolvimento Social e Proteção e  Rede de Identidade Mineira”, assim como para “Governança para viabilização da gestão regionalizada e participativa”.

PMDI 2011-2030: Visão Integrada da Estratégia

Enfrentamento do modelo gerencialista no Governo Pimentel

A filosofia de ambos os Planos de Desenvolvimento desse período acabou por se caracterizar enquanto uma iniciativa gerencialista. A sua implementação concentrou-se na disseminação e monitoramento pelos diversos órgãos estaduais de indicadores de resultado principalmente de natureza administrativa, apoiados, na maioria dos casos, por metodologias como Balance Score Card – BSC. Essa abordagem foi duramente criticada pelos partidos de oposição em razão dos resultados superficiais apresentados, principalmente o de ‘qualidade fiscal’, que se mostrou falacioso pelo descontrole fiscal que gerou, como demonstrado na revisão realizada pelo Governador Fernando Pimentel da proposta de orçamento para 2015 remetida pelo mandato do Governador Antônio Anastasia, a qual identificou um déficit orçamentário deliberadamente ocultado de R$ 7,8 bilhões.

O Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado do Governo Pimentel para o período 2016-2027 enfrentou o desafio de suplantar a metodologia pessedebista que hegemonizou a burocracia do Estado durante 12 anos. De acordo com a nova concepção, “o modelo gerencialista, com ênfase em fiscalização e controle, sob a égide do monitoramento, revelou-se inflexível e pouco suscetível à inovação, tornando-se incapaz de dar a devida atenção, por exemplo, à diversidade dos territórios mineiros” (PMDI 2016-2017:19). Como base da nova metodologia, redefiniu as até então 10 (dez) regiões de planejamento para 17 dezessete) territórios de planejamento e 82 microterritórios. Instituiu o programa de participação intitulado “Fóruns Regionais” e realizou intensivo processo de interlocução com as gerências de 2° e 3° escalão dos órgãos estaduais para consolidação de diagnósticos e diretrizes. Com a participação de lideranças regionais, prefeitos e parlamentares nos Fóruns, assim como dos gestores públicos nestes territórios, realizou amplo levantamento de problemas regionais por eixos de políticas públicas. O resultado desse diagnóstico foi apensado ao documento final do PMDI e tornou-se, para a gerência dos órgãos do estado, referência para o Plano de ação.

Novos 17 (dezesste) Territórios de Desenvolvimento instituídos no Governo Fernando Pimentel

O PMDI 2016-2027 definiu, como objetivo-síntese de um ciclo longo de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável, “reduzir as disparidades regionais e sociais do Estado. Para tanto, o Plano apresentou para estruturação da matriz de planejamento cinco eixos (Desenvolvimento Produtivo, Científico e Tecnológico; Infraestrutura e Logística; Saúde e Proteção Social; Segurança Pública; e Educação e Cultura) e cinco dimensões (Participação; Desenvolvimento de Pessoas; Sustentabilidade Fiscal; Modelo de Gestão; e Sustentabilidade Territorial).

PMDI 2016-2027: Eixos e Dimensões

O Retorno ao passado gerencialista com o Governo Zema

O PMDI 2019-2030 apresentado pelo Governador Romeu Zema retorna à metodologia gerencialista do período Aécio-Anastasia. O Plano, diante da “grave crise fiscal em que Minas Gerais se encontra impõe duas agendas igualmente relevantes: uma de curto prazo, voltada para a recuperação fiscal e, consequentemente, para a retomada da capacidade do Estado de fazer investimentos e implementar políticas públicas; a segunda voltada para a construção de uma agenda de desenvolvimento sustentável” (PMDI 2019-2030:12). Tais pontos de agenda repaginam os temas da “qualidade fiscal” e “qualidade do gasto”, enriquecendo-os com referências diretas ao ideário do ‘estado mínimo’, conforme denotam os “princípios”, “objetivos estratégicos” e ‘bandeiras de identidade elencados.

PMDI 2019-2030: Princípios, Bandeiras e Objetivos Estratégicos

Dentre os princípios, que bem ilustram tal perspectiva, temos o ‘Estímulo à concorrência; garantia e proteção de propriedade e patrimônio’, o ‘Equilíbrio fiscal com base na redução e no controle das despesas, e redução da tributação a longo prazo’, a ‘Descentralização de decisão e delegação de funções a terceiros’ e Meritocracia”, a “nunca serem abandonados”. Eles são a base para a defesa de uma “Economia mineira como protagonista no desenvolvimento econômico e tecnológico”, construída sob a égide de um Estado Mínimo lastreado em um “Governo focado em suas responsabilidades essenciais”, ao mesmo tempo zeloso, de um lado, no gasto público enquanto “Governo eficiente e inovador a serviço das pessoas”, e, do outro, na qualidade fiscal em busca de um “Governo com alto grau de investimento reconhecido pelas instituições de risco pela excelência na gestão fiscal sustentável” (PDMI 2019-2030:41-43)

Como síntese de visão de futuro, o PMDI do Governo Zema propõe foco no “Orgulho de ser mineiro”. Para a sua consecução, elenca 10 (dez) objetivos estratégicos. Ao lado da perspectiva do “Estado Mínimo”, que deverá buscar “Desestatizar e estabelecer parcerias com o setor privado”, “Recuperar o equilíbrio econômico e financeiro do Estado” e “Ser um Estado simples, eficiente, transparente e inovador”, aponta a relevância de se perseguir políticas sociais capazes de “Aumentar a segurança e a sensação de segurança”, “Proporcionar acesso a serviços de saúde de qualidade”,  “Ser referência em qualidade, eficiência e oportunidade em ensino” e “Reduzir a vulnerabilidade social, promovendo a trajetória para autonomia”.

Sobre Wieland 53 Artigos
Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.