Dep. André Quintão sobre o FEM: manutenção da taxação por políticas redistributivas

Até o final do ano, o Governo Zema precisa aprovar o Projeto de Lei – PL 1014/14, que postergam o fim da vigência de alíquotas majoradas de ICMS de serviços de comunicação e diversos produtos classificados como supérfluos, que constituem fonte do Fundo de Erradicação da Miséria – FEM. Dentre as Comissões que apreciaram a proposição, a Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, presidida pelo Dep. Bartô do Partido Novo, mesmo partido do Governador, entendeu que a prorrogação da majoração das alíquotas não merece acolhida. A reprovação da prorrogação deverá implicar perdas anuais de cerca de R$ 850 milhões.

Em entrevista ao Estadosfera, o Dep. André Quintão considera, diante da crise fiscal estrutural, “importante manter o FEM, com a taxação de grupos econômicos para financiar políticas públicas redistributivas”. Esclarecer que “o Projeto não cria, mas prorroga tributação”, não sendo racional, “no momento de uma crise fiscal, abrir mão dessa receita”.

O Governador Romeu Zema está propondo a manutenção da elevação da alíquota de ICMS de diversos serviços e mercadorias, cuja receita destina-se ao Fundo de Erradicação da Miséria. O que o Projeto de Lei traz de novo em relação ao que já vigora?

O Projeto mantém o adicional de dois pontos percentuais na tributação de produtos supérfluos, principalmente cigarros, bebidas e armas,  prorrogando esse adicional até 2025. Essa receita constitui a principal e quase exclusiva fonte de manutenção do Fundo de Erradicação da Miséria – FEM, criado em 2011.  Diante da crise fiscal estrutural do Estado, considero importante manter o FEM e defendo a taxação de grupos econômicos para financiar políticas públicas redistributivas, o que é uma das bases do Estado de Bem Estar Social, que inspirou nossa Constituição de 1988.  A taxação de produtos supérfluos para financiar o combate à pobreza está prevista, inclusive, no artigo 82 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição, e Minas Gerais foi um dos últimos estados a fazê-la.

Os integrantes da Comissão de Defesa do Contribuinte e do Consumidor rejeitaram a proposta de prorrogação do Fundo de Erradicação da Miséria, alegando que “a prorrogação do aumento da alíquota do ICMS quanto à prestação de serviço de comunicação, bem como no que se refere às operações com determinadas mercadorias, pode se colocar como um obstáculo ao crescimento da economia mineira”. Como o senhor avalia esta posição? Quais as consequências de uma eventual reprovação do projeto de lei para a gestão fiscal do Estado?

Nós não estamos tratando da criação ou do aumento de impostos, mas da manutenção de uma situação já consolidada há alguns anos, desde 2012. O Projeto pode sim ter aperfeiçoamentos que tragam benefícios, como estabelecer uma diferenciação em relação a setores pequenos. A alíquota maior para serviços de comunicação já está prevista nesta lei e não é destinada ao FEM. O que está previsto é sua prorrogação. E, ao mantê-la, podemos analisar sim uma alíquota diferenciada para as pequenas empresas multimídias, por exemplo, e que esta receita passasse a fazer parte dos recursos do FEM.

Da mesma forma, podemos incentivar a produção artesanal de bebidas. Mas é preciso registrar que a maior parte do volume arrecadado diz respeito à tributação de oligopólios e não de setores pequenos e médios. Quanto às consequências de uma eventual reprovação do Projeto, que hoje significa cerca de R$ 850 milhões/ano, estaríamos tirando do estado essa receita hoje existente.

Reitero que o Projeto não cria, mas prorroga tributação. No momento de uma crise fiscal, não devemos abrir mão dessa receita. E penso que esse debate não pode ser feito desvinculado de um debate sobre receitas das quais Minas Gerais tem aberto mão com a Lei Kandir e as isenções fiscais, isto é, os Regimes Especiais. Somando essas duas fontes, estamos falando de algo próximo a R$ 12 bilhões/ano, suficientes para quase zerar o déficit anual do Estado. Então, podemos buscar compensações.  Há grandes grupos que pressionam, fazem a guerra fiscal com os estados e ganham isenção com pouco ou nenhum retorno à coletividade. Precisamos de transparência.

O Fundo de Erradicação da Miséria foi criado para custear programas e ações sociais de erradicação da pobreza, alocando recursos para o combate à desigualdade, complementação da renda de famílias pobres, economia solidária, gestão fundiária, dentre outras ações. Dentre elas, destaca-se o pagamento do Piso Mineiro de Assistência Social, criado por lei de sua autoria. Como o senhor avalia os resultados deste mecanismo no combate à miséria?

Com a criação do Fundo de Erradicação da Miséria, tendo como principal fonte de receita a tributação adicional de produtos supérfluos, nós tivemos um recurso adicional para as ações de combate à pobreza em Minas Gerais. Tivemos uma ampliação progressiva, até chegarmos à universalização, do Piso Mineiro de Assistência Social,  que significa recursos para todos os 853 municípios, em valor correspondente ao número de famílias inscritas no CadÚnico em cada um deles. Além disso, tivemos reforços nas ações  no semiárido, no fortalecimento da agricultura familiar, da inclusão produtiva e da economia popular solidária. Foi um mecanismo muito importante  porque garantiu recursos extraordinários em um determinado período.

Entretanto,  no decorrer dos anos, a crise fiscal levou a que parte desses recursos fosse utilizada para pagamento de pessoal de órgãos que lidam diretamente com as ações de combate à pobreza, o que não é adequado. O importante agora é garantirmos que os recursos oriundos dessa tributação sobre o supérfluo sejam financiadores de ações finalísticas. Queremos buscar isso através de emendas no decorrer do processo legislativo desse Projeto de Lei. Os recursos devem ser usados em ações finalísticas.

A emenda ao Projeto de Lei, que propõe isenção dos micro/minigeradores de energia, principalmente no momento de expansão da produção de energia fotovoltaica residencial e em pequenas propriedades, constitui uma novidade. Como ele contribui para o enfrentamento da desigualdade em Minas Gerais?

A emenda altera a Lei nº 6763, na qual está prevista a isenção de ICMS para a produção e uso em rede da energia elétrica foto voltaica, e passa a prever a isenção da “energia elétrica por meio de cogeração qualificada ou de uso de fontes renováveis de energia”, ou seja, amplia o benefício para outras alternativas, igualmente de fontes limpas e que podem crescentemente ser adotadas por pequenas propriedades. Entendo que esse mecanismo de incentivo atinge microempreendedores e pequenos proprietários, o que é relevante para a geração de emprego e renda,  e beneficia pequenos usuários, favorecendo famílias de baixa renda com redução da conta de energia.

Sobre Wieland 53 Artigos
Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.