O mundo depois da pandemia de COVID-19: como será?

1. O que está acontecendo no Mundo?

A pandemia do novo coronavírus pegou a todos de surpresa. Quem de nós, mortais, ao estourar a champanhe do último réveillon e desejar “Feliz 2020” poderia imaginar que, antes de findo o primeiro trimestre, estaríamos agora em completo isolamento social. O mundo parou. Nas ruas, trabalhadores de serviços essenciais, pessoas pobres sem alternativas em busca da sobrevivência, e um número expressivo de insensatos a negar a ciência e a desafiar o alto poder de contágio e letalidade do vírus desconhecido. Trabalhadores confinados em casa, em um novo formato disseminado como “home office”, legalmente denominado como teletrabalho. O mundo descobriu a produção remota, sinalizando para uma nova relação do homem com o trabalho. Por outro lado, aqueles marginalizados do mundo digital estão (e já estavam há muito tempo) engrossando as estatísticas dos desempregados estruturais, se virando em atividades informais e semiformais que o neoliberalismo predador o destaca com a pomposa referência de os “novos empreendedores”.

O mundo descobriu a produção remota, sinalizando para uma nova relação do homem com o trabalho.

A disponibilidade para o isolamento social levou-nos a reflexões importantes: será o fim do capitalismo? O fim da hegemonia dos Estados Unidos da América – EUA pós-segunda guerra mundial e o nascimento de uma nova ordem mundial ditada pela China? Alguma chance de o mundo adotar uma forma socialista de produção, com menos individualismo e mais solidariedade, distribuindo renda e riqueza para todos os trabalhadores? O afeto e a compaixão preponderarão sobre o egoísmo e passaremos a nos preocupar com a sorte do outro? Enfim, quantas perguntas dessas estão a povoar nossas cabeças e pensamentos, óbvio que, muitos deles, fruto de nosso desejo e visão de como queremos o mundo. O único consenso que podemos ter é que, definitivamente, o mundo não será mais o mesmo passada a epidemia do coronavírus.

2. Conjecturas: O que acontecerá com o mundo pós-pandemia?

Alguns prognósticos, com base em percepções pessoais, arrisco a fazer:

  1. A recessão econômica mundial, com maior repercussão no Brasil e demais países em desenvolvimento, será brutal, para muito além do pós-1929, com o crash da Bolsa de Nova Iorque. O desemprego será brutal e a miséria se aprofundará em nossa população, tornando o fosso social ainda mais brutal e desigual. Estima-se que as economias dos países, em média, levarão de três a quatro anos para retomar aos níveis de produção que tinham antes da pandemia;
  2. Em um primeiro momento, como aconteceu no mundo após o período de outras epidemias, haverá uma exortação do racismo e da xenofobia, a estigmatizar a COVID-19 como herança maldita de países, no caso presente, da China, a respingar em todos os povos com feições orientais. Há relatos de agressões em vários países contra chineses e povos correlatos, a culpá-los pela origem e transmissão da virose. Ignorância e motivações religiosas se misturam;
  3. O risco de conflagrações civis crescerá muito nos países, proporcional ao desespero das pessoas pela falta de emprego e renda para a subsistência básica sua e de sua família;
  4. Um efeito a longo prazo dessa experiência pode ser instituições econômicas e políticas mais redistributivas dos ricos aos pobres, e com maior preocupação pelos marginalizados sociais e idosos;
  5. Os governantes que aderiram ao discurso neoliberal de “estado mínimo” e à defesa da atuação do mercado pelos seus mecanismos de autorregulação perderão força, dando lugar àqueles com maior sensibilidade social e visão de mundo globalista. Uma nova ordem na economia e na política nascerá com fundamento na solidariedade, cooperação entre os povos, uma sociedade mais colaborativa;
  6. Os modelos de produção globalizados, que mostraram suas fragilidades neste momento de guerra, no qual respiradores, Equipamentos de Proteção Individual – EPI´s e insumos para fabricação de medicamentos  estavam sendo fabricados do outro lado do mundo, de forma fragmentada, darão lugar a uma nova onda de reindustrialização dos EUA e da Europa, com reflexos nos mercados internos e nos países compradores. Foi desolador verificar o desespero de países como o Brasil, EUA e Europa implorando da China a compra de máscaras, respiradores e roupões especiais; da Índia, matéria-prima para fabricação da hidroxicloroquina, este medicamento tão antigamente conhecido para combater a malária e doenças autoimunes e que se transformou na panaceia para todos os males causados pelo coronavírus por parte dos negacionistas da ciência;
  7. A importância do Estado sairá fortalecida, contrapondo o discurso da eficiência como propriedade do setor privado. Do socorro econômico às empresas, aos trabalhadores formais e informais, aos excluídos sociais sem perspectiva de nenhuma renda, passando pela resposta estrutural e rápida do SUS na organização do acolhimento e tratamento dos pacientes contaminados pelo vírus, mostrou que o cidadão, em tempos de crise, fica à mercê da ação do Estado. A economia deixa o protagonismo para servir ao cidadão, como deveria ser sempre, mostrando que, ao longo do tempo, ela se recupera, o que não se pode dizer dos milhares ou milhões de vidas perdidas definitivamente;
  8. Empresas deixarão de ser uma fonte exclusiva de satisfação de seus donos e acionistas para terem, cada vez mais, responsabilidade social com seus consumidores e a sociedade que as abrigam;
  9. Haverá uma pressão da sociedade para a estruturação de sistemas públicos e universais de saúde. Os países que têm sistemas públicos de saúde mostraram mais capacidade de enfrentamento da epidemia do coronavírus. O Sistema Único de Saúde – SUS no Brasil e o National Health System – NHS no Reino Unido ficaram em evidência nos meios de comunicação, enquanto países com sistemas de saúde atrelados ao setor privado amargaram fracassos na abordagem dos pacientes, com incapacidade no acolhimento e tratamento dos infectados e vendo cadáveres empilharem nos serviços funerários, como nos EUA;
  10. O mundo se tornará, cada vez mais, virtual, remoto e social. As experiências que estamos vivenciando, por força sazonal da epidemia, tenderão a se tornar permanente. Trabalho remoto em ambientes domésticos, compras online, novos modelos de negócios para restaurantes com entrega pelo sistema delivery, atividades culturais imersivas, popularizado pela expressão das artes e da cultura nas famosas “lives” dos artistas; busca por novos conhecimentos adquiridos através de cursos online e ensino a distância, no formato de Educação a Distância- EAD, e formas de Telessaúde.
  11. A entrada da tecnologia 5G, prevista para entrar em funcionamento mundial a partir de 2021 virá, definitivamente, consolidar a tendência do mundo virtualmente remoto, além de abrir oportunidades para novos e/ou remodelados negócios.

Todos os prognósticos aqui elencados se transformam em desafios e geram oportunidades para pessoas e empresas. Um mundo novo e diferente se descortina.

3. Desafios e oportunidades: o que o mundo pós-pandemia pode precisar de nós?

Ficando no tema da saúde, área-foco da minha atuação profissional como consultor, algumas oportunidades podem se descortinar, sem que se perca o sentimento coletivo de todos os seus componentes de criar valor que traga melhoria nas condições de vida da população brasileira. Aumentam esta certeza as oportunidades de reforçar o SUS, aproveitando o crescimento da importância que o Sistema adquiriu junto à população brasileira, que não lhe negou acesso e assistência nesta hora de extrema necessidade. Por outro lado, a saúde complementar, com seus planos e seguros privados, mostrou-se perdida e confusa neste momento de protagonizar o cuidado com o seu cliente. Agrava-se ainda mais este fato a constatação de que os planos e seguros de saúde privados estão se tornando inacessíveis pela contínua elevação dos seus preços de mercado, devido ao empobrecimento acelerado da população, cada vez mais sem emprego e renda.

A saúde complementar, com seus planos e seguros privados, mostrou-se perdida e confusa neste momento de protagonizar o cuidado com o seu cliente.

Nesta perspectiva, nos atendo ao setor ‘Saúde‘, podemos prever a estruturação de serviços que se utilizem de plataformas digitais para diminuir distâncias, evitar o deslocamento físico desnecessário do paciente e a aglomeração de pessoas.

Por demanda emergencial da epidemia de COVID-19, uma regulamentação de um serviço importante, a Telemedicina, que se arrastava há tempos, foi autorizada pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, para atuação excepcional enquanto durar o período de emergência em função da pandemia do coronavírus. Até então a telemedicina era restrita, no Brasil, por resolução do CFM, que só a permitia em casos específicos e emergenciais, como na emissão de laudos a distância e prestação de suporte diagnóstico ou terapêutico. Agora, durante o período da COVID-19, uma resolução temporária permite três modalidades para o funcionamento da telemedicina. Está liberada a teleorientação, que permite aos médicos, remotamente, fazerem orientação e encaminhamento de pacientes em isolamento para atendimento presencial. O telemonitoramento, possibilitando o monitoramento de pacientes com suspeita ou casos leves da COVID-19, de forma virtual, e a teleconsulta, liberando a troca de informações e opiniões entre médicos, remotamente, auxiliando no diagnóstico de casos. Em comum, todas elas visam reduzir os deslocamentos, sejam eles feitos por pacientes ou por médicos.

Quem de nós não tem conhecimento de deslocamentos de pacientes desde seis horas da manhã em veículos disponibilizados pelas secretarias de saúde de municípios distantes dos grandes centros para uma consulta especializada que dura 10 minutos, em que o objetivo é apenas mostrar o resultado de um exame e obter uma prescrição, se for o caso, retornando aos seus lares tarde da noite. Para suprir estas deficiências, as experiências já existentes e consolidadas de serviços de telessaúde, prestando apoio diagnóstico à distância a serviços locais de saúde, requerem utilização urgente. Telecardiologia, Telepneumologia, Teledermatologia, e Teleoftalmologia são exemplos de serviços de apoio diagnóstico a distância a profissionais médicos atuando em locais afastados dos grandes centros produtores de serviços de saúde especializados.

O que nós brasileiros devemos fazer é pressionar as autoridades executivas e parlamentares do país, finalizada este período de enfrentamento da epidemia, que a telemedicina seja definitivamente regulamentada no Brasil, através de lei aprovada na Câmara de Deputados e no Senado Federal, para que se torne uma realidade e possa prestar não só os serviços aqui elencados, mas outras formas de ajudar a sociedade brasileira a ter uma assistência à saúde de qualidade, universal e gratuita. Desejo que todos estejam vivos e com saúde até lá. Paz e bem!

Para citar esse artigo: SOARES, Carlos Vanderley. O mundo depois da pandemia de COVID-19: como será?

Sobre Carlos Vanderley Soares 1 Artigo
Administrador e Contador. Gestor em Administração Pública, envolvendo as áreas de gestão administrativa, orçamentária e financeira. É Consultor em gestão em saúde pública e privada pela Ágora Consultores Associados.