
Quando ouvimos falar de orçamento público, lembramos imediatamente de um livro espesso, difícil de entender e, eventualmente, de uma lei aprovada para permitir aos governantes realizar ações. Se formos perguntar a contadores, dirão que é um registro contábil da movimentação de recursos feitas pelo Poder Público. Bem, essas são algumas das facetas assumidas pelo orçamento, que, entretanto, não descrevem a essência de seu significado. Mais do que apenas um documento formal, socialmente, o orçamento público é a resultante final de um processo onde se define aquilo que os governos irão realizar. Portanto, se analisarmos bem, o orçamento representa um contrato de realizações. Governantes propõem contribuições e realizações e os representantes no Legislativo, enquanto representantes dos diversos interesses existentes na sociedade, aprovam-nas ou não, firmando entre Governo e Sociedade, um contrato sobre o que a Administração Pública deverá fazer em benefício dos diversos segmentos de interesses. Como bem resumiu o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, na mensagem do orçamento, em 1.941, o orçamento acaba por constituir-se fundamentalmente em “um documento refletindo, em termo de dinheiro, o que o governo faz pelo povo e o que o povo contribuiu para o governo”.
Na lógica do Estado Democrático de Direito, que se consolidou a partir do final do século XVIII, o sufrágio universal constitui o principal procedimento para participação dos indivíduos nos negócios públicos, possibilitando a escolha daqueles (governantes) responsáveis pela condução da produção das ações governamentais, sejam elas com consequências materiais (Executivo) ou normativas (Legislativo e Judiciário). Através do exercício do voto, é esperado que a vontade do “povo” manifeste sua materialidade e, assim, confira legitimidade dos governos, visto que todos terão se manifestado.
O orçamento constitui-se em um documento refletindo, em termo de dinheiro, o que o governo faz pelo povo e o que o povo contribuiu para o governo.
Franklin Delano Roosevelt, 1941
Por sua vez, segundo o ideário liberal do Estado Moderno, que a todos encanta, eleitos os representantes, a correspondência entre a representação dos governantes e a delegação dos governados se viabilizaria, durante o mandato, pela observância dos preceitos das leis (legalidade), a partir e por meio da qual deve se estruturar a ação governamental, uma vez que a orientação conforme a lei é considerada fundamental e também suficiente para promover a ”redução de todos os interesses humanos aos interesses da pólis, a politização integral do homem” (Bobbio, 1.989:43).
Contudo, para conferir realismo ao processo democrático, todo ano governantes têm de (re)apresentar sua programação de realizações e sujeitá-la à confirmação da sociedade por meio de seus representantes no Legislativo. Assim, ao invés de simplesmente deixar a avaliação da relação delegação-representação limitada apenas ao julgamento público de seus resultados das urnas, quando da realização de novas eleições, promovendo ou não da renovação do “corpo intermediário”, o Estado Moderno passou a determinar a edição periódica, a cada ano, de uma lei específica, o orçamento público, para a definição propriamente dita do conteúdo da ações governamentais a serem empreendidas pelos governantes.
Deste ponto de vista, mais do que uma peça eminentemente técnica, elaborada conforme conteúdo e rigores da lei, o orçamento constitui-se, então, no registro com força vinculatória- e também no processo de formatação, do compromisso de contribuições da sociedade e de realizações do governo. Por definição, toda e qualquer despesa ou programa de trabalho (princípio da universalidade) que o governante quiser realizar devem estar previstos na lei orçamentária, o que lhe confere posição central na institucionalidade.
Para citar este artigo: Silberschneider, Wieland. A Natureza Social do Orçamento. Estadosfera, 2019. Disponível em: <http://www.estadosfera.com.br/a-natureza-social-do-orcamento-publico/>. Acesso em: xx de xxx. 20xx.
Bibliografia
- BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, Rio de Janeiro, Editora Forense, 15ª ed., 1997.
- BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo, Rio de Janeiro, Editora, Paz e Terra, 1989.
- OFFE, Claus. Critérios de Racionalidade e Problemas Funcionais da Ação Político-administrativa, em OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, pp. 216-233.
- SIBENEICHLER, Flávio Beno. Jürgen Habermas: razão comunicativa e emancipação, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1989.
- TORRES, Ricardo Lobo. O Orçamento na Constituição, Rio de Janeiro, Livraria e Editora Renovar, 1995.