Considerações sobre o perfil de exclusão da juventude pobre e negra

O século XX nos deixou o dramático legado da persistência do padrão de exclusão social, que condiciona o desenvolvimento dos projetos de vida dos jovens e condicionam sua vida na escola. No Brasil, nos últimos cerca de 20 anos, características da dinâmica das famílias e da vida dos jovens e das jovens cristalizaram importantes transformações.

Liderança Familiar

Em 2001, 27,7% das famílias mineiras tinham uma mulher como referência, tendo essa proporção, em 2015, elevado-se em 30%, passando a liderança familiar feminina a representar quase 37,0% dos lares.

Em Minas Gerais, a quantidade de famílias lideradas por mulheres aumentou sensivelmente. Em 2001, 27,7% delas tinham uma mulher como referência. Em 2015, essa proporção elevou-se em 30%, passando a liderança familiar feminina representar quase 37,0% dos lares (Tabela 1). Certamente, essa mudança implicou na mudança da dinâmica familiar, que, em razão do protagonismo produtivo da mulher e a prevalência, do contexto patriarcalista nos lares, alterou o tempo e seu modo de dedicação para com os filhos bem como o cotidiano familiar, levando a soluções educativas pragmáticas. As famílias passaram igualmente por uma diversificação de valores, como mostra a expansão das religiões evangélicas e de outras religiões em detrimento da igreja católica. Entre 2000 e 2010, os evangélicos passaram de 13,6% para 20,2% dos mineiros (as), o que configura um crescimento de mais de 50% dos fiéis (Tabela 2).

Gravidez não planejada

Em 2002, cerca de 25% das meninas entre 10 e 19 anos engravidaram, tendo se reduzido, na atualidade, para 18,1%, porém com a manutenção de taxas praticamente estáveis para as faixas de 10 a 14 anos e 15 a 17 anos .

Para as jovens, permaneceu ainda contundente, nos anos recentes, o quadro de gravidez não planejada na fase ainda escolar. Embora com uma tendência decrescente, a taxa de fecundidade precoce continua a representar incertezas para o projeto de vida conjunto significativo de jovens, principalmente em situação de baixa renda, que descontinuam a vida escolar e carecem do suporte adequado para o exercício da maternidade. Em 2002, quase um quarto das meninas entre 10 e 19 anos engravidaram. Esse contingente se reduziu para 18,1%, com a manutenção, ao longo do período, de taxas praticamente estáveis para as faixas de 10 a 14 anos e 15 a 17 anos (Tabela 6).

Genocídio de jovens negros

Em 2016, na faixa 15-19 anos, 69,0% dos mortos, em Minas Gerais, em razão de atos violentos, eram jovens negros, enquanto, na faixa de 20 a 29 anos, a proporção chegou a 67,6%.

No caso dos jovens, está em curso um verdadeiro genocídio de jovens negros. Não se trata de dramatizar o que é obviamente dramático, mas de reconhecer que esta realidade afeta profunda e silenciosamente o processo educativo, pois não somente ceifa vidas, mas ceifa, senão contamina com insegurança instintiva indeclarável, também a esperança de sucesso dos projetos de vida que conseguem prosseguir. Nas estatísticas oficiais, os óbitos por causas externas, em 1997, colhiam 29,2% dos jovens entre 15 e 19 anos e 32,0% entre os de 20 a 29 anos em Minas Gerais (Tabela 7). Continuadamente, esta taxa cresceu nos anos subsequentes, vindo a mais que duplicar! Em 2016, na faixa 15-19 anos, 69,0% mortos por causas, na sua maioria, em razão de atos violentos, eram jovens negros, enquanto, na outra faixa, a proporção chegou a 67,6%, com o agravante de que os mais jovens passaram, proporcionalmente, a serem o segmento mais atingido.

Estudo x Ocupação

Na faixa superior (18-24 anos), a situação deteriora-se visivelmente, passando a contabilizar 24,7% dos jovens na condição de ‘nem-nem’, a qual, agregada aos 40,0% do segmento dos que possuem ocupação e não estudam, compõem um alarmante quadro social,

Quando verificamos os dados sobre ocupação por faixa etária, que constitui, inequivocamente, um dos focos, senão o principal foco do projeto de vida dos jovens, confirmamos que eles continuam a serem precocemente chamados a contribuir para a renda familiar. Naturalmente, esta realidade contribui para comprometer a sua disponibilidade para frequentar o Ensino Médio, afetando diretamente a taxa de escolarização. Dados do IBGE (PNADC 2017) mostram que, em 2017, para idade de 6 a 14 anos, essa taxa era de 99,0%, enquanto para a faixa de 15 a 17 anos, ela atingiu somente 90,3% em Minas Gerais, o que representa a perda de cerca de 166 mil adolescentes para a Educação. A relação ‘estudo-ocupação’, por seu turno, mostra-se, sem sombra de dúvida, bastante conturbada e preocupante, com relações de trabalho precarizadas, principalmente pela igualmente precária formação desses jovens para o trabalho. Vemos que, na faixa de 15 a 17, encontramos 6,0% dos jovens na grave situação de ‘nem ocupados, nem estudando’, além de 2,9% deles na condição de ocupados sem estudar. Somados aos 12,5% dos jovens ‘ocupados e estudando’, portanto, com seu desempenho escolar condicionado pelo tempo dedicado ao trabalho, temos um contingente inquietante de risco, que chega a 21,4% da juventude mineira. Na faixa superior (18-24 anos), a situação deteriora-se visivelmente, passando a contabilizar 24,7% dos jovens na condição de ‘nem-nem’, a qual, agregada aos 40,0% do segmento dos que possuem ocupação e não estudam, compõem um alarmante quadro social, neste caso, agravado pelos efeitos da defasagem idade/série, que leva parcela expressiva desses meninos e meninas a estarem ainda em anos, por exemplo, do Ensino Fundamental com idade mais avançada.

Esta realidade na qual se encontram inseridos os educandos atua de modo taciturno no dia-a-dia da escola. A incapacidade das famílias, as situações-socioemocionais-limite a que os jovens e as jovens estão submetidos pipocam cotidianamente, silenciosa ou estrondosamente, em uma miríade de episódios de violências diversas- verbais, físicas, simbólicas, sexuais, de gênero, raça, culturais, nas salas de aula, nos pátios das escolas, no entorno das escolas. Elas transbordam na desestruturação do comportamento de vários alunos, na evasão escolar, e no desempenho defasado de muitos deles, e, muitas vezes, simplesmente em agressões entre os jovens mesmos ou deles para com os profissionais da educação, estes frequentemente também personagens ativos dessa realidade, o que, por sua vez, mina implacavelmente o clima de convivência nas escolas. A sobrelevação desses acontecimentos depende, via de regra, da atuação do diretor (a)/vice-diretor(a), que busca empreender as mediações necessárias. No caso de Minas Gerais, a atuação do diretor(a) nesse episódios encontra-se amplamente condicionada pelo seu perfil pessoal, tendo em vista que as escolas não possuem estruturas formais dedicadas à atividade de supervisão pedagógica, setor tradicionalmente concebido para o registro e conhecimento da realidade das famílias e de seus educandos e para o necessário acompanhamento psicossocial individualizado. Em algumas oportunidades, essa mediação conta com o apoio de um(a) analista de educação, profissional voltado para atividades de supervisão pedagógica e inspetoria escolar. Por outro lado, o conhecimento dos efeitos da realidade socioeconômica e cultural sobre Educandos e Escola é primária. Não se tem, para fins de política pública, diagnóstico e avaliação sistemática dos efeitos dessa realidade. Na rede pública estadual de Minas Gerais, por exemplo, somente a partir de meados de 2017, passou-se a contar com um processo formal de registro de ocorrências das violências diversas na escola, processo esse que, até o presente, continua a enfrentar a resistência cultural para sua efetiva difusão.

Sobre Wieland 53 Artigos
Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.

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