Educação Integral: discurso cativante, porém genérico

Na atualidade, é frequente a defesa da educação integral. O discurso encanta pelas possibilidades que anuncia, mas de que se trata realmente ‘Educação Integral’? De fato, leite integral ou pão integral, as pessoas entendem serem produtos originais, de qualidade. Na Educação, embora o adjetivo inspire essa interpretação, na prática, as pessoas não sabem dizer qual o real diferencial de qualidade que isso representa. Gestores da educação falam em um ideal de pleno desenvolvimento e integração social. Pais falam da escola em que seu filho fica mais tempo, ambas, porém, argumentações obviamente genéricas.

Leite integral ou pão integral, as pessoas entendem serem produtos originais, de qualidade. Na Educação, o adjetivo inspira essa interpretação, mas, na prática, as pessoas não sabem dizer qual o real diferencial de qualidade.

Em termos conceituais, educação integral é tratada como a “ideia filosófica de homem integral, realçando a necessidade de homem integrado de suas faculdades cognitivas, afetivas, corporais e espirituais, resgatando como tarefa prioritária da educação, a formação do homem, compreendido em sua totalidade”, tendo de “responder a uma multiplicidade de exigências do próprio indivíduo e do contexto em que vive” (Pestana, 2014:27). As experiências em que se ofereça um processo formativo no qual se proporcione, “simultaneamente, a ampliação de capacidade para a convivência e participação na vida pública; a ampliação de repertórios de competências e habilidades e o acesso e o usufruto aos serviços sociais básicos”, e se promova a mobilização da “cidade, seus espaços, recursos e acontecimentos como campo estratégico de aprendizagens e desenvolvimento de crianças, adolescentes e de todos os seus habitantes”, reconhecendo “as forças presentes nos territórios – serviços públicos, agentes educativos, trocas culturais – e o modo como as crianças e os adolescentes se relacionam com elas” (Pestana, 2014:34-35), são consideradas iniciativas de Educação Integral.

Retórica político-pedagógica

Esta formulação ainda guarda alto grau de generalidade e não difere da retórica político-pedagógica (e também religiosa), que, há séculos acompanha o debate do tema. Os fundamentos dessa retórica se estruturaram, no Ocidente, desde a Grécia Antiga, com a gestação da paideia, literalmente a “criação de meninos”, e se consolidaram, durante a Roma Antiga, com a humanitas em busca da promoção do estudo num espaço de alegria, a schola. Platão (427-428 a.C) sintetizou o sentido geral do pleno desenvolvimento humano desse período como sendo a essência de toda a verdadeira educação (ou paideia) conferir “ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensinar a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento”. Em As Nuvens (423 a.C.), Aristófanes (447-383 a.C.) aborda o tema de modo mais pragmático, apontando o objetivo da educação não simplesmente como adquirir o domínio sobre as matérias ministradas, mas produzir igualmente a excelência moral, enlaçando as potencialidades mentais e físicas em um caráter bem formado, de tal maneira que o homem pudesse ser um melhor cidadão.

Esses princípios atravessaram a Idade Média, com contribuições decisivas do Cristianismo, como as doutrinas de Santo Agostinho (354-430) e Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Foram repaginados pela dimensão antropocentrista do Iluminismo, com destaque para Jean-Jacques Rousseau (1712-1748) e Johann Pestalozzi (1746-1827), e enriquecidos, no final do século XIX, por movimentos espiritualistas como a Antroposofia, Teosofia e o Espiritismo, dentre outros, e, durante o século XX, por releituras racionalistas de movimentos educacionais, sobretudo, a Escola Nova, John Dewey (1859-1952), Celestin Freinet (1896-1966) e Paulo Freire (1921-1997), bem como pela Psicologia então emergente com Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934), para mencionarmos apenas alguns de inúmeros destaques do pensamento pedagógico.
De fato, os fundamentos político-filosóficos que floresceram ao longo dessa densa e profícua trajetória de interpretação da natureza da educação humana se confundem com a própria trajetória da humanidade na interpretação do sentido de sua existência e de seu aprimoramento humano.

Os fundamentos político-filosóficos que floresceram ao longo da trajetória de interpretação da natureza da educação humana se confundem com a própria trajetória da humanidade na interpretação do sentido de sua existência.

Fundamentos para políticas

Deste processo, resultou uma densa difusão de fundamentos pedagógicos para a formulação de políticas tais como: (i) o respeito às etapas evolutivas humanas a partir de Rousseau, Piaget e Steiner; (ii) o reconhecimento da realidade imanente como o princípio e o fim da construção dos saberes, considerando, sobretudo, os ensinamentos de Freinet e Freire; (iii) a validação de processos estruturados para o desenvolvimento cognitivo tal como ensinou Dewey; e, por que não, (iv) da própria tradição greco-romana-cristã, o reconhecimento da importância da educação para a transcendência humana.

Contudo, embora seja cativante o debate filosófico sobre o pleno desenvolvimento humano, que o adjetivo ‘integral’ carreia, promover a Educação Integral, sobretudo a partir do Estado, é implementar concretamente uma política. E para se falar de ‘implementação de uma política’, política pública, é preciso ultrapassar a simples retórica da defesa de uma educação capaz de promover a formação integral dos indivíduos, alinhada com a realidade em que se insere. É preciso indicar os recursos materiais, educacionais e pedagógicos a serem mobilizados para a sua consecução e, principalmente, os resultados empiricamente esperados em termos de crescimento humano.

Bibliografia

  • PESTANA, Simone Freire Paes. Afinal, o que é educação integral?. Revista Contemporânea de Educação, vol. 9, n. 17, janeiro/junho de 2014.
  • TORRES, Milton Luiz. “O cuidado da criança nos primórdios da educação grega: semelhanças e contrastes com a educação hebreia”. In: Protestantismo em Revista, 2011.

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Sobre Wieland 53 Artigos
Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.

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