Léon Blum, a crise fiscal de Minas Gerais e as lições que a história nos traz

Em maio de 1936, a Front Populaire, coligação formada pelos partidos da esquerda francesa, venceu a eleição legislativa de forma consagradora, constituindo sólida maioria na Assembleia Nacional, com 376 deputados, enquanto as legendas de direita assumiram 222 cadeiras. Um mês depois, o grande líder socialista Léon Blum, guindado ao posto de primeiro-ministro, apresentou-se ao parlamento e, em seu discurso perante os congressistas e a Nação, reafirmou seus compromissos com o programa de reformas sociais e econômicas que a Front Populaire havia defendido na disputa eleitoral, cujas propostas se organizavam em torno do seguinte slogan: “contra a miséria, a guerra e o fascismo; por pão, paz e liberdade”. Blum, de fato, implementou um amplo conjunto de reformas, entre as quais se destacaram a redução da jornada de trabalho de 48 para 40 horas semanais, sem diminuição salarial; férias remuneradas de 14 dias; fixação do salário mínimo, e reconhecimento do direito sindical e das convenções coletivas de trabalho.

O experimento político da Front Populaire, entretanto, foi precocemente abreviado: foi desmantelado ao longo de 1937 sob pressões de sucessivas crises e impasses e das indecisões e oscilações do próprio governo em fazer avançar as reformas econômicas e sociais em meio aos (e contra os) poderosos interesses do grande capital industrial e financista francês, conforme a análise precisa feita por Heinz Arndt em seu estudo clássico “The economic lessons of the nineteen-thirties”, publicado originalmente em 1944.

O governo de Fernando Pimentel, que teve início em 2015, mas foi interrompido em 2018, reproduziu, em certo sentido, o experimento da Front Populaire. Chegou ao comando do Estado de Minas Gerais por meio de uma vitória consagradora na disputa eleitoral de 2014, derrotando a aliança conversadora-neoliberal hegemonizada pelo PSDB, que, com breve interregno (1999/2002), vinha dominando de forma absoluta a política estadual por quase duas décadas. Pimentel, ex-prefeito da capital mineira, foi guindado ao governo amparado em esperanças renovadas de transformações.

As expectativas formadas em torno do novo governo de Fernando Pimentel eram de recolocar Minas Gerais em uma nova trajetória sustentada de desenvolvimento, mas as transformações que começaram a ser implementadas, no sentido de recuperar a capacidade do Estado de formular, financiar e implementar políticas públicas, foram perdendo ímpeto, diante da realidade de crescentes restrições orçamentárias.

As expectativas formadas em torno do novo governo eram de recolocar Minas Gerais em uma nova trajetória sustentada de desenvolvimento, superando, assim, a persistente crise contemporânea de relativa estagnação, que se expressa no mais prolongado ciclo de baixo dinamismo da economia mineira desde a década de 1940 – de acordo com os dados disponíveis do Sistema de Contas Nacionais do IBGE. Esperavam-se, igualmente, políticas sociais mais ativas, de modo a criar as condições efetivas para o enfrentamento da pobreza e da acentuada desigualdade social e econômica de Minas Gerais. Enfim, esperava-se que a gestão de Fernando Pimentel fosse um ponto de inflexão nos rumos econômicos e sociais de um dos mais importantes e desiguais estados da federação brasileira.

Tais esperanças foram revigoradas nos primeiros anos de governo, mas como se verá a seguir, as transformações que começaram a ser implementadas, no sentido de recuperar a capacidade do Estado de formular, financiar e implementar políticas públicas, foram perdendo ímpeto, até começarem a ser revertidas. Ao final e ao cabo, impôs-se a realidade de crescentes restrições orçamentárias, agudizadas pelo cerceamento a fontes de financiamento de caráter não-tributário, conformando um contexto de dificuldades que acabou por refrear, paulatinamente, as mudanças em curso.

O agravamento da crise nacional, desdobrando-se no aprofundamento da crise também em Minas Gerais, culminou, em 2018, com a derrota eleitoral das forças políticas aglutinadas em torno de Fernando Pimentel e, mais do que isso, favoreceu a ascensão surpreendente de um político outsider, acomodado em um partido sem “entranhamento” social e cuja campanha avançou amparada na defesa de um programa de reformas ultraliberal e de caráter recessivo. Vejamos, a seguir, como se desenrolou esse reverso na economia política estadual.

A busca de um novo modelo de desenvolvimento

A despeito da situação fiscal precária herdada pelo governo de Fernando Pimentel, que se explicitou em um déficit fiscal de R$ 7,3 bilhões no orçamento de 2015, as políticas públicas foram revalorizadas na nova administração estadual. Essa revalorização da politica pública pode ser ilustrada com a evolução dos investimentos alocados em 12 funções fiscais que têm grande impacto sobre o desenvolvimento da cidadania, quais sejam: Segurança Pública, Assistência Social, Saúde, Trabalho, Educação, Cultura, Direitos da Cidadania, Urbanismo, Habitação, Saneamento, Organização Agrária, e Desporto e Lazer. Os investimentos nessas funções fiscais conformam o que podemos denominar de Políticas Públicas de Promoção da Cidadania (PPC).

No Governo Pimentel, os investimentos em PPC corresponderam a um valor médio anual de R$ 35,1 bilhões, em valores deflacionados de 2018, perfazendo mais do que o dobro do desembolso médio anual do governo de Antônio Anastasia (2011-2014), que foi de R$ 17,1 bilhões, e mais de cinco vezes a quantia média de R$ 6,8 bilhões aplicada ao ano no governo de Aécio Neves (2004-2010).

Durante o Governo Pimentel, as despesas com Políticas Públicas de Promoção da Cidadania passaram a corresponder a uma média anual de 40,2% dos gastos totais, ao passo que nos governos Aécio e Anastasia essa participação foi de 36,7% e 34,7%, respectivamente.

Esses investimentos em PPC também ganharam maior relevância orçamentária durante o Governo Pimentel. As PPC passaram a corresponder a uma média anual de 40,2% dos gastos totais, ao passo que nos governos Aécio e Anastasia essa participação foi de 36,7% e 34,7%, respectivamente. Os investimentos em PPC também tiveram aumento quando observados em relação ao PIB estadual. Durante o Governo Pimentel, as PPC alcançaram valor médio anual de 6,74% do PIB, enquanto nos governos Aécio e Anastasia esses dispêndios foram, em média, de 4,96% e 4,98%, respectivamente. Assim, pode-se dizer que as políticas públicas de caráter social foram, de fato, revalorizadas no Governo Pimentel, ganhando maior expressão orçamentária e escala econômica.

Primórdios da reversão: o início do ajuste fiscal

Essa política econômica, contudo, não foi implementada de forma linear e homogênea, apresentando intercorrências. No último ano do Governo Pimentel as PPC perderam ímpeto, em razão do início de um processo de contração dos investimentos. Tal movimento de reversão fica evidente quando se observa a taxa de crescimento anual dos investimentos em PPC: em termos reais, entre 2015 e 2016 esses dispêndios cresceram 16,6%, percentual que foi reduzido para 6,4% entre 2016 e 2017 e para apenas 2,7% entre 2017 e 2018. Assim, a participação das PPC no orçamento baixou de 40% para 37% entre 2017 e 2018. Neste último biênio (2017/2018) o investimento em PPC caiu de 6,9% para 6,4% do PIB, o que significou retração da 7,8%. A contração dos gastos em PPC expressava, em verdade, uma estratégia mais ampla de ajustamento fiscal adotada pelo Governo Pimentel, que teve início em 2018.

Evidências do início do ajustamento fiscal

Antes de dar continuidade à discussão, cabe explicar que a análise feita a partir deste ponto leva em consideração o PIB nacional e não o estadual, tendo em vista a disponibilidade de informações atualizadas sobre o 1º semestre de 2019.

Tendo isso em conta, evidencia-se a decisão do que Governo Pimentel de buscar o reequilíbrio das finanças estaduais a partir da trajetória do resultado primário. Entre 2017 e 2018, logrou-se reduzir pela metade o déficit primário, que retrocedeu do patamar de -0,09% para -0,05% do PIB. Diante de uma redução das receitas primárias, de 1,34% para 1,08% do PIB (retração de 19,2%), o governo promoveu corte de 21,3% nas despesas primárias, que retroagiram de 1,44% para 1,13% do PIB. O esforço fiscal empreendido pelo governo no sentido de reequilibrar o orçamento pode ser ilustrado pelos cortes promovidos nas despesas com investimentos, que baixaram de 0,05% para 0,02% do PIB (corte de 55%), e da relativa estabilidade que se alcançou nos gastos com pessoal (houve moderada redução de 0,75% entre 2017 e 2018), conforme ilustrado no Gráfico 1.

Um aspecto importante a considerar é que o ajustamento fiscal no Governo Pimentel teve início no 1º Semestre de 2018. Diante da redução da receita primária de 1,34% para 1,11% do PIB entre o 2º semestre de 2017 e o 1º semestre de 2018, continuando em queda para 1,05% do PIB no 2º semestre de 2018, a despesa primária teve que ser contraída, assim como o déficit primário. Essa trajetória pode ser visualizada nos Gráficos 2 e 3.

A decisão do Governo Pimentel de dar início à busca do reequilíbrio fiscal no último ano de seu mandato, em pleno ano eleitoral, se diferenciou bastante da postura adotada pelas administrações anteriores, que, no momento das disputas sucessórias, ampliaram os gastos, provocando a piora das condições fiscais e financeiras do estado. Abaixo, resumimos esquematicamente esta dinâmica.

  • Em 2010, o Governador Aécio Neves ampliou em 16% as despesas primárias no 2º Semestre, em relação ao 1º Semestre, fazendo com que o superávit primário de 0,14% do PIB registrado entre janeiro e junho daquele ano se convertesse em déficit de 0,04% em julho/dezembro.
  • Em 2014, o Governador Antônio Anastasia ampliou as despesas primárias em 31% no 2º semestre, na comparação com o 1º semestre, de modo que o superávit de 0,10% do PIB foi convertido em déficit de 0,06% no mesmo período.
  • Em 2018, como assinalado anteriormente, o Governo Pimentel reduziu as despesas primárias em 10% entre os 1º e 2º semestres e baixou o déficit primário no mesmo período de 0,07% do PIB para 0,02%, perfazendo uma contração de 74%.

Observa-se que não ocorreu, no último ano do Governo Pimentel, o conhecido ciclo “político” das finanças públicas. Este novo padrão mais rígido de política fiscal inaugurado pelo governo não foi, evidentemente, determinante para o resultado da eleição de 2018. Mas, certamente, tornou mais complicada a disputa sucessória, que já se encontrava condicionada por um contexto político bastante adverso para os partidos progressistas. Assim, acabou por abrir caminho para a ascensão do grupo de forças reacionárias que se aglutinaram em torno de um projeto de reformas institucionais e econômicas ultraliberal e de ajustamento recessivo.

A agenda de reformas ultraliberal e o aprofundamento do ajuste fiscal

O empresário-político Romeu Zema venceu a eleição para o governo de Minas Gerais em 2018 com a proposta de promover uma radical reforma do Estado, identificado por ele e seus aliados como o principal ponto de estrangulamento da economia mineira. Nesse sentido, pode-se dizer que a plataforma eleitoral de Zema retomou, em bases renovadas, o programa de cunho privatista que vinha sendo implementado em Minas Gerais desde o Governo Eduardo Azeredo (1995-1999) e aprofundado nas gestões de Aécio e Anastasia.

Essas orientações ultraliberais e de cunho ortodoxo já voltaram a perpassar a gestão da política econômica estadual, em particular a política fiscal. Isso se evidencia na evolução das finanças públicas no 1º semestre de 2019. De fato, é possível verificar o aprofundamento do ajustamento fiscal. Os investimentos em PPC retroagiram de 0,56% para 0,51% do PIB nacional entre 2018 e o 1º Semestre de 2019. Ademais, a participação orçamentária das PPC baixou da média anual de 40,24% entre 2015 e 2018 para 38,64% no 1º semestre de 2019.

A queda dos investimentos em PPC expressou o acentuado ajuste fiscal implementado neste início do Governo Zema (Gráficos 1, 2 e 3), que conseguiu fazer as finanças estaduais voltarem a apresentar superávit primário, que alcançou o valor, a preços correntes, de R$ 3,9 bilhões entre janeiro e junho de 2019, ante o déficit primário de R$ 3,1 bilhões apurado em todo o exercício de 2018, o que significou um ajuste da ordem de R$ 7 bilhões no 1º semestre do presente ano.

É importante verificar como esse ajuste foi alcançado. De forma geral, os principais fatores determinantes do ajuste do Governo Zema foram os seguintes:

  1. O principal fator do ajustamento foi pelo lado da receita: as receitas primárias subiram de 1,08% para 1,19% do PIB entre 2018 e o 1º semestre de 2019, o que significou expansão de 10,2%.
  2. As despesas primárias foram reduzidas de 1,13% para 1,08% do PIB, logrando recuo de 4,1% no período em referência.
  3. Esta redução das despesas primárias foi alcançada por intermédio da contração mais acentuada dos gastos com investimentos e com pessoal, que tiveram cortes de 45% e de 19%, respectivamente neste 1º Semestre, em comparação com 2018.

O ajustamento fiscal foi aprofundado no Governo Zema, configurando-se no pior tipo de ajuste, tendo em vista que a busca pelo reequilíbrio das finanças estaduais se baseou em uma maior extração de recursos tributários da sociedade e da redução/precarização dos serviços públicos, como consequência lógica da contração dos gastos de investimento e de pessoal.

Com base nessas informações, pode-se dizer que o ajustamento fiscal foi aprofundado no Governo Zema e, além disso, configurou-se no pior tipo de ajuste, tendo em vista que a busca pelo reequilíbrio das finanças estaduais se baseou em uma maior extração de recursos tributários da sociedade e da redução/precarização dos serviços públicos, como consequência lógica da contração dos gastos de investimento e de pessoal.

A perspectiva é que este tipo de ajustamento fiscal, baseado na crescente precarização dos serviços públicos, tende a se aprofundar nos próximos anos. Pelas metas fiscais que integram a Lei de Diretrizes Orçamentárias-LDO de 2020, o gasto primário deverá ficar praticamente congelado entre 2020 e 2022, pois a previsão é que haverá pequeno recuo de 0,29% em termos reais, conforme pode ser observado na Tabela 1.

Ademais, o gasto primário projetado para 2022, de R$ 83 bilhões, acumulará perda real superior a 14% em relação ao dispêndio de 2018, retrocedendo a um nível ainda mais baixo do que o verificado em 2017. Em termos per capita, o gasto primário chegará a R$ 3,86 mil por habitante, perfazendo corte de mais de 16% em termos reais, na comparação com o valor de 2018, e também se situando bem abaixo do nível de 2017.

Caso o governo consiga levar adiante esse acentuado ajustamento fiscal, as políticas públicas deverão ser evidentemente debilitadas, concretizando, assim, um dos enunciados do programa ultraliberal que Zema defendeu durante a campanha eleitoral, segundo o qual “serviços públicos não precisam ser ofertados pelo Estado”. Em verdade, como o próprio governador já anunciou, uma das metas centrais de sua administração é justamente o de reduzir o tamanho e o alcance do Estado, objetivo que será perseguido tanto por meio de uma politica fiscal contracionista quanto através das privatizações. A Cemig e a Copasa, neste sentido, estariam incluídas nesse projeto de desestatização. A venda destas empresas públicas, no entanto, deverá ter impactos negativos de grande extensão para a economia mineira, tendo em vista que elas consistem no “motor” do investimento público estadual, respondendo por cerca de dois terços dos investimentos efetuados pelo governo estadual em Minas Gerais.

Considerações finais e as lições que a história nos traz

À guisa de conclusão, destacamos seis pontos principais para reflexão:

  1. Os dados sistematizados nesta nota revelam que o ajustamento fiscal efetuado pelo Governo Zema neste primeiro semestre, fazendo com que o governo estadual voltasse a gerar superávit primário, foi baseado primordialmente no aumento de receita, mas também em cortes de gastos que resultam na precarização da oferta de serviços públicos. Com base nas projeções da LDO – 2020, é possível dizer que é este padrão de ajustamento fiscal que deverá ser implementado pelo governo até o final da gestão de Romeu Zema, em 2022, tendo como diretriz principal a redução do tamanho e do alcance do Estado e, por suposto, de sua capacidade de elaborar, financiar e executar políticas públicas.
  2. Os números expostos anteriormente também são suficientes para demonstrar que não se sustentam nos fatos a ideia e as afirmações de que o Governo Pimentel teria sido caracterizado por uma gestão fiscal temerária e “irresponsável”, causando o descontrole das contas públicas e deixando uma “herança maldita” para o seu sucessor. O último ano do Governo Pimentel, em especial, foi marcado pela busca do reequilíbrio das finanças estaduais, logrando mesmo promover uma contração importante do déficit primário. A propósito, se forem considerados os novos parâmetros de apuração das despesas primárias pelo critério de caixa fixados pela 8ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais – MDF, o Governo Pimentel já teria gerado superávit primário em 2018, no valor de R$ 1,42 bilhão.
  3. É necessário considerar o contexto de crise que circundou o governo Pimentel, que passou a se defrontar com escassez progressiva de financiamento, em face de uma estrutura de gastos reconhecidamente caracterizada por grande rigidez e, mais do que isso, por tendência à expansão inercial. Diante deste quadro de restrições orçamentárias crescentes, ganharam maior expressão formas de financiamento “alternativas”, mais precisamente por meio da expansão dos restos a pagar. Os Restos a Pagar Processados e Não Processados tiveram forte incremento, passando de 0,99% para 4,72% do PIB estadual entre 2014 e 2018. Mas vale notar que, em 2018 a taxa de crescimento dos restos a pagar caiu sensivelmente (de 40% entre 2017/2016 para 25,5% entre 2018/2017), em razão da queda dos restos a pagar não processados (de 19,5% em relação a 2017), indicando a busca do reequilíbrio fiscal por parte do Governo Pimentel.
  4. Um dos fatores que induziram essas formas de financiamento por meio da expansão dos restos a pagar consistiu na redução substancial das receitas oriundas de operações de crédito. Diferentemente do que ocorreu nos Governos Aécio e Anastasia, o governo Pimentel vivenciou acentuada escassez de financiamento, com o cerceamento quase absoluto da contratação de recursos de terceiros. Em valores deflacionados a preços de 2018, as receitas médias anuais de operações de crédito no Governo Pimentel foram de R$ 333,7 milhões, contra os valores médios de R$ 3,5 bilhões do Governo Anastasia e de R$ 975,8 milhões do Governo Aécio, perfazendo quedas de 91% e de 66% respectivamente. Em 2018, por exemplo, foram captados apenas R$ 1,6 milhão por meio de operações de crédito, o menor valor entre 2004 e 2018, o que explica, em grande medida, a acentuação do recurso à inscrição de despesas em restos a pagar como forma de financiamento de gastos.
  5. Essa situação descrita no ponto anterior explicita um problema estrutural das finanças estaduais, que diz respeito aos mecanismos precários e insuficientes de financiamento do gasto público. Problemas estes que se vinculam a impasses que extrapolam o âmbito estadual, de modo que não poderão ser equacionados autonomamente, e que não são de fácil solução, pois envolvem questões federativas (distribuição de encargos, delimitação de autonomias tributárias, normas de endividamento público etc.) e econômico-institucionais (inexistência de mecanismos de financiamento de longo prazo e baixo custo do gasto público – mercado de dívida pública –, por exemplo). Isto evidencia a impossibilidade de superação das atuais restrições fiscais e financeiras do estado por meio do Regime de Recuperação Fiscal estabelecido pelo governo federal, cujos parâmetros, aliás, tendem a agravar ainda mais os problemas já existentes.
  6. Diante deste quadro de grande complexidade política, econômica, federativa, financeira e fiscal, suscita muitas indagações a decisão do Governo Pimentel de se afastar de seu projeto original de transformação para adotar o receituário convencional a fim de equacionar a crise. Tal opção, além de ter se mostrado incapaz de superar as dificuldades, em razão da escala e da natureza estrutural dos problemas, contribuiu para esgarçar a sua base social, abrindo espaço para a ascensão de outro projeto que, caso bem-sucedido, terá resultados desastrosos para a sociedade mineira. Em certo sentido, o fracasso do experimento da Front Populaire, que decorreu justamente dessa oscilação entre duas políticas possíveis, se repetiu. Reiterou-se, assim, uma lição recorrente que a história tenta nos proporcionar: a de que as coalizões de forças progressistas e de esquerda, ao alçarem ao governo, tendem a ser derrotadas por não conseguir evitar esse falso dilema a respeito da política econômica mais adequada, o que as induz a tentar acomodar objetivos contraditórios inconciliáveis.

Para citar esse artigo: Veira, Danilo Jorge e Nascimento Rodrigues, Roberto. Léon Blum, a crise fiscal de Minas Gerais e as lições que a história nos traz. Estadosfera, 2019. Disponível em: https://www.estadosfera.com.br/leon-blum-a-crise-fiscal-de-minas-gerais-e-as-licoes-que-a-historia-nos-traz/, 2019. Acesso em xx de xxxx de 20xx.

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Sobre Danilo Jorge Vieira 5 Artigos
Doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da UNICAMP