Crise não tem data para acabar e deve ser financiada com emissão de moeda, diz ex-presidente do BDMG

O professor Marco Aurélio Crocco Afonso da Faculdade de Ciências Econômicas FACE/UFMG, ex-presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais – BDMG e atual presidente do Parque Tecnológico de Belo HorizonteBH-TEC, afirmou que a crise deflagrada pela pandemia do coronavírus veio para ficar por alguns anos. Não há expectativa de retomada sustentada em menos de 3 anos. A economia continuará a enfrentar dificuldades, se a recuperação não reconhecer o comportamento protecionista que se instalará na sequência e também se não deixar de lado o modelo de financeirização do desenvolvimento, que não consegue gerar empregos e soluções estáveis para a proteção do meio ambiente.

Economista Marco Aurélio Crocco, Presidente do BH-TEC

No Brasil, a desaceleração deverá chegar próximo a -10% e representará perdas não apenas para os desempregados, mas para todos assalariados. Os recursos aportados pelo Banco Central não deverão produzir resultados, em razão do modelo de financiamento continuar a exigir contrapartidas de micro e pequenas empresas. Por sua vez, o déficit a ser gerado com a proteção a trabalhadores e empresas deve ser financiado com a emissão de moeda, visto que não há risco inflacionário algum. Enfim, analisa que a retomada dependerá de como os países centrais vão se posicionar. E será preciso validar o papel dos bancos públicos e os investimentos públicos para alavancar a próxima etapa, porque a iniciativa privada estará endividada e conviverá, por um tempo significativo, com a capacidade ociosa e a redução do consumo.

Desde a Crise do Subprime, os economistas têm apontado que aconteceria um novo ciclo de desaceleração, a chamada perna do ‘W’. Em 2017/18, o Financial Times, a BBC e vários órgãos da mídia divulgaram pesquisas dizendo que a crise tinha data marcada para acontecer em 2019/2020. Em 2020, o coronavírus aparece como o gatilho da crise ou é a crise do coronavírus que levou à desaceleração da atividade econômica? Qual a relação dessa crise atual com a Crise do Subprime?

CROCCO: São duas crises completamente distintas. A economia mundial vem dando sinais de que não teve uma recuperação completa desde a Crise de 2008. Os economistas falam de um novo normal: a economia cresce pouco e decresce logo depois. Tivemos várias crises financeiras, pequenas crises financeiras. Neste período, tivemos vários momentos onde as bolsas do mundo inteiro caíram com elevado grau de endividamento. Essa foi uma das razões do endividamento tanto das famílias quanto do setor privado. Aumentou significativamente nesse período. Tudo isso dito, acabou existindo um movimento muito diferente dessa crise.

A crise atual é muito diferente da Crise de 2008, porque, de fato, foi causada por uma doença, por uma pandemia, sem dúvida alguma. E tem uma característica para a economia que é diferente das outras crises anteriores. Qual é? Ela é uma crise onde a economia para de uma vez só. Não é um processo de contágio em que a crise começa no setor financeiro e vai para o setor real da economia. Na Crise de 2008, o lado real da economia foi afetado bem depois. Houve um processo tanto mundial quanto em cada um dos países, onde o efeito do contágio, da disseminação da crise foi muito diferenciado. 

Quando olhamos os gráficos das crises anteriores, vemos a curva de desaceleração da economia. A curva agora é uma reta. Caiu e ficou no chão. Isso foi causado, sem dúvida, por um fator exógeno à economia. A economia teve que parar. Lá atrás, a economia não parou de repente. Agora, a economia teve que parar e as pessoas irem pra casa. Não teve outro jeito. Não se trata de uma crise, porque você não está conseguindo fechar um negócio, ou porque você ficou endividado, ou porque a taxa de juros subiu ou qualquer outra coisa. É porque você teve de parar, fechar as portas e ir para casa.

A crise atual e a de 2008 são duas crises completamente distintas. Isso não quer dizer que anteriormente já não estava tendo um processo de esgotamento. A previsão de novas crises se colocava dentro de um contexto maior, pois independente do mundo crescer ou não, a desigualdade aumentava.

Isso não quer dizer que anteriormente já não estava tendo um processo de esgotamento. Esse era um problema. Existia um problema. A previsão de novas crises se colocava dentro de um contexto maior, pois a principal crise que se vinha vivendo era a desigualdade que predominava e predomina, até o presente, no mundo inteiro. Independente do mundo crescer ou não, a desigualdade aumentava.

Além da desigualdade não estaria também em curso a mudança dos processos de trabalho orientados pelas novas TICs, processo esse que vem cumulativamente provocando a mudança da dinâmica da acumulação de riquezas?

CROCCO: Existe uma discussão sobre progresso técnico e se o progresso técnico, hoje em dia, é neutro ou não. Na verdade, há outras duas discussões ao lado dessa. A primeira envolve a GIG Economia (o ambiente econômico que compreende, de um lado, trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício (freelancers, autônomos) e, de outro, empresas que contratam estes trabalhadores independentes, para serviços pontuais, e ficam isentas de regras contratuais), que se refere à ‘uberização’ da economia como um todo. Estamos falando da disseminação de uma relação de trabalho onde o trabalhador não possui qualquer proteção social de natureza contratual, que representa a completa precarização da empregabilidade e desemboca em um processo que aumenta a desigualdade. A segunda discussão diz respeito ao reconhecimento da existência de um processo em que a transformação digital tem implicado a perda significativa e gradativa de postos de trabalho. Um estudo da McKinsey estima que, até 2022, teremos a perda de 800 mil postos de trabalho, um número gritante. Esta questão, entretanto, é tratada enquanto uma tendência do modelo de desenvolvimento, que gera problemas sociais e de desigualdade cada vez maior. Sem falar é claro das questões climáticas.

A transformação digital tem implicado a perda significativa e gradativa de postos de trabalho, estimando-se que, até 2022, teremos a perda de 800 mil postos de trabalho, um número gritante, tratado enquanto uma tendência do modelo de desenvolvimento.

A desaceleração em curso da atividade econômica, com demissão em massa e fechamento de vários negócios, aponta para uma forte redução do Produto Interno Bruto. Na China, já se anunciou queda do PIB de -6,9% no primeiro trimestre do ano. A Organização Mundial do Comércio estimou em -11,6% a redução no Brasil em 2020, mas o Relatório Focus do Banco Central, que avalia as expectativas do mercado, estima queda de -2,96%. Qual o tamanho da desaceleração que vamos enfrentar?

CROCCO: Essa é uma crise global, uma crise em que todo mundo concorda que o nível de atividade vai cair. A questão a discutir é se a economia vai simplesmente cair e como ela vai poder voltar. A queda é uma vertical. Gráficos mostram uma queda de 90 graus. A discussão é se ela vai bater no fundo e o que vai acontecer. O Fundo Monetário Internacional está falando em uma redução de -3,0% e um crescimento de 2,8% no ano que vem. Mais que isso, essa rápida recuperação tem sido a fala do FMI e de parte significativa do mercado, que o que próprio mercado quer ouvir. Eu acho extremamente difícil isso acontecer, mas tem uma parcela do mercado que não quer ouvir isso.

A retração do Brasil deve ficar perto de dois dígitos. Eu apostaria que chega muito perto de dois dígitos ou passa os dois dígitos, pela enorme dependência do crescimento do consumo das famílias. 

A discussão é bem mais profunda. Roubini e outros tem falado que vai ser uma longa recuperação, porque a economia foi para o chão. Isso vai ter um impacto muito grande primeiramente no setor das famílias. Vão perder renda, não vão recuperar de uma hora para outra. Vai ter uma mudança de padrão de consumo. É muito provável que as pessoas passem a ser mais cautelosas com o seu dinheiro, mesmo que retornem a ter emprego.

O setor privado ficará altamente endividado. Quando passar a pandemia e voltar, vai ter uma dificuldade maior. Não vai querer puxar o investimento se endividando. Muito pelo contrário, ele vai estar com perdas. Ele vai ter de diminuir seu grau de alavancagem financeira. 

Da mesma forma que as famílias vão ser mais conservadoras, as empresas vão querer recuperar a poupança que perderam. Mais de 90 por cento da população brasileira, de alguma forma vai perder. Se conseguiu manter o emprego e tinha uma poupança, essa renda financeira irá para o espaço. Por exemplo, o servidor público não foi demitido e o Estado pagou. O fluxo, então, foi garantido, mas a poupança que tinha caiu, porque, na crise, a bolsa caiu. A aplicação financeira rendeu menos. Se, ao contrário, a pessoa perdeu, de fato, o emprego e teve que gastar a sua poupança, o grau de perda vai ser muito grande. Isso vai levar a um padrão de consumo muito distinto nas famílias. Vai predominar um comportamento de maior precaução, lembrando a propensão a poupar keynesiana. E as empresas também vão perder cliente, vão perder venda, vão ficar devendo ao fornecedor. 

Nesse sentido, será necessário dar estímulo fiscal para tentar segurar essa queda. Isso, naturalmente, irá variar de país para país. Depois, será necessário dar um estímulo para a economia retomar, porque, em um quadro como este, não vai ter setor privado que irá puxar a retomada. Vai vender para quem? A cadeia produtiva vai estar demandando menos. As famílias consumindo menos … Neste cenário, de onde vai sair o programa de recuperação? Temos uma situação complexa. Vai ter de vir do Estado.

Será necessário dar estímulo fiscal para tentar segurar essa queda. Não vai ter setor privado que irá puxar a retomada.

Os acontecimentos apontam que algumas atividades de serviços serão substituídas por serviços digitais. Temos o exemplo do turismo de negócios que realiza conferências, reuniões presenciais. Ele está aprendendo a se apoiar nas redes sociais, nas plataformas digitais e, provavelmente, o volume e o ritmo de serviços de turismo irá decair. Além do receio da contaminação e até a própria vacina chegar, um novo padrão digital de trabalho em vários setores deverá se impor. Você concorda?

CROCCO: Em parte, sim! Eu participei de uma webseminar do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID com empresas startups em que os participantes falavam justamente que o home office vai criar um novo padrão. Então, as pessoas não vão precisar mais viajar para fechar o negócio. Eu não tenho certeza! Veja, o telefone estava aí e isso não aconteceu. No auge do processo de globalização, nas décadas de 80 e 90, o mundo inteiro discutiu uma coisa do mundo da inovação, que é a importância do contato face-a-face. O exemplo são centros financeiros, onde há a necessidade de se estar junto. As Tecnologias de Informação e Comunicação- TICs, que tornaram possível as transferências de dados de uma hora para outra, não levaram a que os centros financeiros fossem esvaziados. Londres continuou lá do mesmo jeito, porque há a necessidade do contato face-a-face. Se tiver ainda um perigo de contaminação, esse pode retardar essa volta.

Não acho que o novo padrão de trabalho vai ser adotado, implicando menor deslocamento. Isso depende muito do padrão de economia que vai sair na frente. Se a economia voltar a crescer, e enquanto tiver o impacto, a preocupação com a pandemia, eu acho que aí sim. 

Já estão em vigor medidas de proteção para trabalhadores e pequenas empresas. Ainda não se concluiu a solução para governos estaduais e municipais. Essas medidas estão no formato e no tamanho adequados para proteger a travessia da crise no Brasil?

CROCCO: Bem, eu diria que a direção é certa, mas a intensidade e velocidade estão erradas. Eu acho que, em primeiro lugar, a garantia de quem é remunerado. Se a empresa demitir, importante o Governo garantir o salário da pessoa até um salário mínimo. É muito pouco. É uma medida provisória que ainda não foi votada definitivamente e isto pode mudar. O dinheiro para micro e pequena empresa, não adianta colocar dinheiro no banco. O governo pode colocar aportes nos bancos, mas os bancos não vão conseguir emprestar. A discussão aqui é: o Banco Central pode atuar diretamente? Na aprovação no Senado do Orçamento de Guerra, o Senador Anastasia não permitiu. A ideia inicial era que o Banco Central pudesse trabalhar diretamente com empresas não-financeiras comprando títulos deles. Os mecanismos de empréstimo, que estão sendo feitos, têm de ser feitos com o Banco Central. Ele se torna o garantidor de empréstimos bancários.

Mas o Banco Central fez a maior injeção financeira da história do país, que chegou a R$1 trilhão para facilitação da tomada de empréstimos por pequenas empresas.

CROCCO: O receituário para sair da crise, obviamente, não é financeiro. Demanda uma atividade fiscal necessariamente muito grande, porque não vamos sair sem algum estímulo para as atividades produtivas. No caso em questão, a operação encaminhada desse jeito não tem qualquer garantia de que vai chegar do outro lado, porque os critérios de concessão de crédito continuam do mesmo jeito. Ou o Banco Central dá a garantia completa para os bancos de que vai pagar em caso de inadimplência das micro e pequenas empresas, define regras para tanto, ou, então, vai ter empoçamento da liquidez. 

Você, então, não concorda com a autorização para compra e venda de títulos pelo Banco Central nos mercados secundários?

CROCCO: Eu concordo. O BC tem que ir ao mercado secundário. Lá, ele compra direto da empresa o título não-financeiro. Desse modo, o Banco Central passa a ser o emprestador e o empregador, em última instância, o mesmo.

Toda a proteção social que a União irá fazer gerará um déficit fiscal de cerca de 1 trilhão de reais ou mais. Há uma polêmica sobre como financiá-la. De um lado, ela pode virar déficit público com a emissão de títulos. Ela pode ser financiada com recursos das reservas cambiais. O governo pode pegar empréstimo do FMI e ou ainda pode simplesmente emitir dinheiro na maquininha, ou seja, a Casa da Moeda emite dinheiro novo. Como é que você vê essas soluções: haveria alguma delas mais benéfica para a economia?

CROCCO: Eu vou dividir em duas partes a resposta. Em primeiro lugar, as medidas de proteção social que estão sendo feitas, eu espero que a gente caminhe, ainda nesse ano, em algum momento, para termos um programa de renda mínima universal. Não é seguro desemprego. É uma renda mínima para cada cidadão, tal como já proposto pelo então Senador Eduardo Suplicy como renda básica de cidadania. Essa é a grande discussão que já vinha sendo realizada anteriormente no campo popular por causa da desigualdade. Agora, no período de crise, a solução dos R$ 600 para proteção de quem não está empregado, não está tendo renda, ou a proteção com o pagamento de parte dos salários para quem está empregado, em que o Estado entra pagando, são questões temporárias. A gente precisa ter uma lei de longo prazo para a criação de um programa de renda mínima universal. 

Precisamos caminhar para ter um programa de renda mínima universal, como já proposto pelo ex-Senador Suplicy.

O segundo ponto é que a Teoria Monetária Moderna, da qual André Lara Resende é um dos expoentes, vai dizer que é possível monetizar qualquer tipo de dívida no setor público que isso não tem impacto. É um pouco a decisão e a implicação que tem posteriormente. O déficit é complicado, quando você não consegue financiá-lo através do mercado. Ou se você faz uma emissão de moeda e isso gera um impacto econômico, que é a inflação. Emitir moeda agora não tem impacto na economia do ponto de vista inflacionário, quer seja porque nós estamos com a capacidade ociosa muito elevada e vamos continuar assim por muito tempo – então, não tem pressão de demanda para fazer os preços crescerem; quer seja porque a velocidade de circulação da moeda vai diminuir o que compensa também a quantidade de moeda na economia. Não tem perigo inflacionário nenhum. É óbvio que essa não é a situação ideal. 

Emitir moeda agora para acobertar o déficit não tem impacto na economia do ponto de vista inflacionário, porque nós estamos com a capacidade ociosa muito elevada e vamos continuar assim.

Agora se o Governo vai ao mercado e se financia o que está sendo definido é que, hoje, os recursos que o setor público está pegando para fazer frente às despesas com a saúde emergencial, para garantir testes para todo mundo, para dar lá os 600 reais ou para dar linha de empréstimo para as empresas, no futuro, o Governo vai ter de pegar o dinheiro do Estado e pagar de volta os bancos daqui um tempo

Aí tem alguém que ganhou com a emissão da dívida. Tem um setor da sociedade que se beneficia através de operação desse negócio. Isso significa que o setor público vai aumentar sua dívida. Isso significa uma transferência de renda futura de impostos para o setor financeiro com impacto significativo sobre a distribuição de renda. Está certo que é uma prática num contexto como esse: enquanto um chora, outro vende lenço. Porém, essa é uma decisão clara. Já emitir moeda, não vejo nenhum problema. 

Você também lembrou que são dois momentos. Haverá um segundo para retomar o ritmo da atividade econômica e, neste, possivelmente será o caminho de se buscar no mercado o financiamento?

CROCCO: Quando voltar a se operar em situação normal, pode se voltar a operar no mercado, tomando cuidado com o pagamento de juros. Tomando cuidado com o que é isso que você tira de um lado e coloca do outro, fazendo um programa tributário justo, tributando grandes empresas, tributando dividendos, fazendo toda uma discussão sobre o tema que já vem sendo feito há mais de década. 

Você se arriscaria a estimar um período para a retomada? Nós sairemos dessa crise em dois, cinco ou dez anos?

CROCCO: Você sabe que economista erra tudo, mas eu acho que a gente demora pelo menos dois, três anos para começar a voltar a recuperar alguma coisa.

O problema é que tudo indica que a recuperação vai ser muito lenta. Nós estamos discutindo aqui se a pandemia vai prosseguir. Não acho que vai terminar no dia 31 de dezembro e pronto. A vacina demorará um ano, no mínimo. Se conseguir um antiviral antes, tudo bem. Vamos ter de conviver com a pandemia por, pelo menos mais um ano. Mesmo depois que tiver a vacina, o acesso à vacina é outra discussão. Até imunizar o mundo todo, um outro problema.

A gente demora pelo menos dois, três anos para começar a voltar a recuperar alguma coisa. O problema é que tudo indica que a recuperação vai ser muito lenta.

Por sua vez, os pesquisadores que estiveram na China com quem tive a oportunidade de debater o problema, não acreditam no segundo ciclo de possível contaminação. Pode ser que uma mutação no vírus gere nova onda. Entretanto, tal como todo ano temos a vacina da gripe modificada um pouquinho em relação ao anterior, isto também acontecerá para o coronavírus. Certamente, não se conseguirá evitar todo o impacto, mas se consegue evitar significativamente.

Além disso, nos países emergentes, as dificuldades vão ser bem maiores. Esses países têm pouca credibilidade lá fora. Tal como o Brasil, está havendo uma saída de recursos muito grande. A desvalorização da moeda é uma coisa complicadíssima. 

E a retomada vai se dar somente com um plano de investimento público. Esses planos deverão ir na direção do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC durante o Governo Dilma e de seu similar recente, anunciado recentemente no calor da crise pelo Governo Bolsonaro, o Pró-Brasil. O valor anunciado de investimento público em três anos é baixíssimo, apenas 30 bilhões de reais. Como bem notou Nelson Barbosa, se a distribuição for linear, o estímulo fiscal é de míseros 0,1% do PIB por três anos. O que mostra o tamanho do desafio que teremos pela frente.

Você acredita que a saída da crise pelo Brasil dependerá somente das ações internas? 

CROCCO: A recuperação vai depender de algumas coisas: a política dos países centrais e do tipo de investimento. A China é fundamental nesse processo. Mas será preciso ver como os outros países, principalmente a Zona do Euro e os Estados Unidos, como eles vão reagir, quanto tempo vão demorar a entrar gastando de novo. O Estado nestes países terá de gastar.

Tem uma coisa que é fundamental para a retomada. A gente defende que o governo entre gastando, que tenha um programa de investimento público, que os bancos públicos entrem financiando sim, afinal eles têm que voltar e assumir o risco maior. Só vai ter demanda batendo na porta dos bancos públicos se tiver uma iniciativa do governo de estimular o investimento de alguma forma. Entretanto, nisto tudo, o tipo de investimento a ser feito é que vai ser fundamental, porque o mundo que virá depois será um mundo diferente.

Será um mundo mais protecionista. Não tenhamos dúvida disso. Vai ser um mundo onde o comércio mundial vai diminuir. Vai ter uma diminuição da globalização. Não acho que vai representar necessariamente um retorno ao passado, mas algumas medidas de proteção vão sim acontecer. Mesmo porque as pessoas sabem agora que, se você tem pandemia, ou você tem indústria ou terá muito mais dificuldades. Ou se tem indústria capaz de defender não no sentido da defesa militar, mas de proteção social e, principalmente, de proteção do desenvolvimento, ou justamente não se alcançará o desenvolvimento. 

As pessoas sabem agora que, se você tem pandemia, ou você tem indústria ou terá muito mais dificuldades. Ou se tem indústria capaz de defender não no sentido da defesa militar, mas de proteção social e, principalmente, de proteção do desenvolvimento, ou não se alcançará o desenvolvimento.

Os economistas ficam discutindo só macroeconomia e se esquecem da palavra desenvolvimento. Quando haverá outra pandemia? Esse é um problema característico do processo de desenvolvimento que tem impacto ambiental. Já houve ebola, SARS, problemas derivados de como a gente lida com a natureza. Sem mencionar que, a qualquer momento, podemos enfrentar a elevação do nível do mar, o prosseguimento do desmatamento da Amazônia. Então, não adianta discutir só macroeconomia, diante de impactos ambientais significativos. As crises que estão vindo não são apenas da relação capital-trabalho. 

Esse debate que você acabou de introduzir nos lembra que, para o establishment europeu e americano, o desenvolvimento não é um foco em si mesmo. A questão se dirige para a rentabilidade do mercado, o que traz a discussão da financeirização do desenvolvimento como um fim em si mesmo, perdendo-se o foco nos resultados.

CROCCO: Esse é um ponto destacado por Stiglitz sobre a questão do desenvolvimento. A globalização e o neoliberalismo não entregaram o que prometeram, por causa da financeirização. O mercado financeiro é quem determina a lógica de todo o processo econômico, inclusive a financeirização da própria proteção ambiental. É o crédito carbono, são os green bonds. São as metas da 21ª Conferência das Partes- COP 21que o mercado financeiro acaba definindo a forma de financiar como se fossem qualquer outro projeto.

Essa é a grande contradição que faz com que o neoliberalismo venha vindo em uma morte lenta, como aponta Dani Rodrik. O debate central é se esse modelo é compatível com a proteção do meio ambiente. Com certeza, temos de ir em busca de um modelo completamente diferente na saída da crise atual. Um modelo onde o progresso técnico não seja poupador de mão de obra e seja poupador de energia, poupador da natureza e que, naturalmente, resolva a equação da rentabilidade.

Temos de ir em busca de um modelo completamente diferente na saída da crise atual. Um modelo onde o progresso técnico não seja poupador de mão de obra e seja poupador de energia, poupador da natureza.

Há um movimento internacional envolvendo a promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS, antes Objetivos do Milênio, que tenta trazer para a racionalidade do capital preocupações desta natureza. Você acha que ele tem potencial para se tornar uma agenda central no momento pós-crise?

CROCCO: Eu acho sim que isso pode tornar-se uma agenda central para o próximo momento. Para levá-la adiante vai ser preciso muito do setor público, muita inovação, muito banco público e uma forma de pensar diferente da financeirização. 

Essa agenda não combina com a financeirização. Para darmos conta de atingir, por exemplo, o objetivo da COP21 de evitar o aquecimento de 2,5 graus, vão ser necessários 4 trilhões de dólares para investimento na economia. Isso vai ser levantado no mercado de capitais? Bobagem. Esse processo, com essa lógica, o mercado de capitais não opera. Temos de ter outra fórmula, a saber qual é.

Sobre Wieland 53 Artigos
Wieland Silberschneider é Doutor em Economia e Mestre em Sociologia pela Universidade de Minas Gerais.